Raquel Montero

Raquel Montero

domingo, 23 de setembro de 2012

Medidas necessárias para o atendimento do direito à moradia



Falei no artigo anterior, sobre moradia, que 40% do déficit habitacional poderia ser resolvido pela ocupação de imóveis vazios. Acrescento à essa informação o dado de que há no país cerca de 6,07 milhões de domicílios vazios, número esse que se aproxima do déficit habitacional quantitativo, que é de 6,273 milhões.
Dentro do número de casas vazias e de casas já ocupadas, há aquelas que não estão aptas a servir como moradia, precisando de reparos para estarem adequadas. Mas, em termos práticos e bem próximos da exatidão, o número de casas desocupadas quase abrange o número do déficit habitacional. Essa é a realidade da situação que vivemos. O lucro prevalecendo sobre a necessidade.
Empresários da construção civil e latifundiários dominam o território que devia ser destinado à salutar convivência coletiva.
A situação, todavia, não é ruim por completa. Já tivemos avanços oriundos principalmente de programas do governo federal, onde se destaca o programa Minha Casa Minha Vida, que já financiou milhares de habitações para a população.
O que atrapalha a continuidade de avançarmos mais é, novamente, repito, a especulação imobiliária. A construção civil empresarial e com gananciosos fins lucrativos, obsta o avanço e burla a função social da terra, por intermédio de seus interesses privados que, para se executarem estão agredindo direitos sociais das pessoas, e tudo isso com o aval do Poder Público.
A construção empresarial está ditando como, quando e onde construir. Os financiamentos da Caixa Econômica Federal tem regras mínimas a serem obedecidas e as prefeituras, muitas vezes, permitem as construções sob influência de forte lobby deste setor, deixando de lado a observância da legislação pertinente.
Nessa mistura, o resultado é trágico. As prefeituras não analisam o preenchimento dos requisitos legais para as construções, bem como deixam de fiscalizar o respeito aos direitos e deveres. Ou seja, os órgãos públicos não atuam mais ativamente decidindo sob o foco do interesse público como a cidade deve crescer, quem está fazendo isso é o mercado, a favor de interesses particulares.
E ai verificamos construções populares defeituosas em áreas afastadas do centro da cidade, desprovidas de qualquer infraestrutura em contraste com construções luxuosas ou de médio padrão feitas em locais prestigiados de infraestrutura e que ainda comportam que as mesmas casas populares feitas em locais distantes pudessem ter sido construídas em seus vazios urbanos.
E esse fato leva a várias consequências negativas que podemos imaginar facilmente ao pensarmos em morar num lugar muito distante do centro da cidade e onde não tem qualquer infraestrutura, desde as mais básicas, como escolas, postos de saúde, lazer, cultura, etc. O que temos assim, é uma população relegada à sorte e desrespeitada em seus direitos.
Esse problema, contudo, é fácil de ser resolvido, bastando tão somente que nossos administradores públicos cumpram com o seu dever no comprometimento de atender ao interesse público e não sejam corruptíveis ao lobby que só busca atender ao interesse privado.
A construção civil empresarial é boa se conjugada com o respeito aos direitos sociais, previstos no artigo 6º da Constituição Federal (CF).
Se assim for exercida a construção civil empresarial, teremos só avanços nesse quesito. E ai o lucro não será só do empresário, mas também de toda a sociedade que verá crescer o país para todos e não mais só para o empresário.
É preciso então que nossos administradores públicos respeitem as leis pertinentes à construção de casas, das quais as mas salientes são a CF e o Estatuto da Cidade, que preveem que essas construções se façam com a garantia do respeito às pessoas e seus essenciais direitos sociais que podem proporcionar seu pleno desenvolvimento.
Nessa conduta a especulação imobiliária deve estar abaixo do direito à moradia, e dessa forma o direito à moradia se restabelece na condição que lhe é peculiar por ordem da CF, isto é, é um direito a que faz jus toda pessoa e que deve ser respeitado acima do lucro.
Para garantir a preferência do direito à moradia sob o comércio da moradia, a CF estabeleceu a função social da propriedade, dizendo que é real proprietário da terra aquele que efetivamente ocupou ela, e não aquele que a deixou desocupada, não a usando nem permitindo que outro a usasse.
E indo mais longe, a CF fixou reprimenda ao descumprimento da função social da terra, preconizando assim o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) Progressivo, onde passa a aumentar o valor do imposto sobre a propriedade em razão de ela estar desocupada, e se persistir a desocupação a desapropria, revertendo-a para destinação que atenda ao interesse público da função social da propriedade.
Ainda nesse sentido, fixou também a CF o instituto do usucapião, destituindo do título de propriedade o proprietário que não ocupa a terra mas possui seu título aquisitivo, e atribuindo o título de propriedade ao real possuidor da terra, que atendeu a função social da propriedade.
E, desse modo, para atender à função social da propriedade, e, por consequência, o direito à moradia, pode-se estabelecer;
  • aluguéis acessíveis à renda da pessoa;
  • o IPTU progressivo, que ainda inexiste na maioria das cidades;
  • a construção de casas populares em vazios urbanos da cidade, onde já está contemplada a infraestrutura necessária à vida de cada um, e não a construção dessas casas em locais em que não há infraestrutura;
  • a reforma de prédios existentes em áreas com infraestrutura e sua destinação para moradias;
  • a atuação nas próprias favelas, qualificando esses espaços que já contam com vida social das pessoas que lá habitam, com a construção de moradias dignas e infraestrutura, e desde que haja respeito ao meio ambiente, senão, faz-se a remoção das pessoas para outro local onde haja a mesma qualificação;
  • estímulo com recursos do governo federal para as cidades que instituíram o IPTU progressivo e que aplicam o Estatuto da Cidade;
  • participação dos moradores das favelas e da comunidade nos processos de desfavelamento e construção de moradias.
E além de inverter a lógica perversa que o mercado acordou com o Poder Público, é necessário possibilidades iguais à todas as pessoas, de maneira que todas as pessoas possam auferir renda suficiente para atender a todos os direitos sociais previstos na CF.
Possibilidades iguais para todos podem proporcionar que todos tenham os mesmos acessoas e condições. Isso é bem diferente de políticas públicas assistencialistas. Aqui temos ajuda com grande probabilidade de dependência, lá temos dever do Estado com grande probabilidade de independência das pessoas.
Veja que o próprio Estado, através da CF, estabeleceu que o salário mínimo deve ser de valor correspondente ao atendimento de todos os direitos socais, de maneira que cada trabalhador possa, com sua própria renda, acesso a seus direitos.
Mas tendo em vista o valor do salário mínimo atual, verificamos que ainda temos que mudar muito nesse aspecto.
Também, para o sucesso das intervenções do Poder Público para a construção de moradias populares para as pessoas provenientes de favelas é essencial a participação da comunidade da favela no processo, antes, durante e após as construções.
Os programas de urbanização de favelas mais bem sucedidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, foram aqueles que combinaram projetos urbanísticos discutidos com a comunidade, com integral participação da comunidade nas discussões.
A comunidade é sujeito político na solução dos problemas da cidade, principalmente quando estes problemas estão lhe afetando diretamente, como é a hipótese em questão. Dessa forma fazer intervenções em suas vidas sem os escutar é praticar autoritarismo, numa hierarquia que exclui. E essa exclusão fará com que os moradores rejeitem ou não se adequem à nova proposta, justamente porque não foram considerados no processo e ou porque as soluções que lhe foram aplicadas não atendem satisfatoriamente às suas necessidades.
Quem vive a situação é que melhor pode falar dela. Dai ser primordial considerar os moradores das favelas na construção de propostas, além de ser democrática tal participação, sendo que a ausência dela leva irrefutavelmente a ausência da própria democracia.
É uma combinação de medidas que, juntas possibilitam o sucesso das ações de intervenção para implementação de moradias, e, separadas, levam, em algum momento, cedo ou tarde, ao fracasso da ação.
Raquel Bencsik Montero


Nenhum comentário:

Postar um comentário