Falei no artigo anterior, sobre
moradia, que 40% do déficit habitacional poderia ser resolvido pela
ocupação de imóveis vazios. Acrescento à essa informação o dado
de que há no país cerca de 6,07 milhões de domicílios vazios,
número esse que se aproxima do déficit habitacional quantitativo,
que é de 6,273 milhões.
Dentro do número de casas
vazias e de casas já ocupadas, há aquelas que não estão aptas a
servir como moradia, precisando de reparos para estarem adequadas.
Mas, em termos práticos e bem próximos da exatidão, o número de
casas desocupadas quase abrange o número do déficit habitacional.
Essa é a realidade da situação que vivemos. O lucro prevalecendo
sobre a necessidade.
Empresários da construção
civil e latifundiários dominam o território que devia ser destinado
à salutar convivência coletiva.
A situação, todavia, não é
ruim por completa. Já tivemos avanços oriundos principalmente de
programas do governo federal, onde se destaca o programa Minha
Casa Minha Vida, que já financiou milhares de habitações para
a população.
O que atrapalha a continuidade
de avançarmos mais é, novamente, repito, a especulação
imobiliária. A construção civil empresarial e com gananciosos fins
lucrativos, obsta o avanço e burla a função social da terra, por
intermédio de seus interesses privados que, para se executarem estão
agredindo direitos sociais das pessoas, e tudo isso com o aval do
Poder Público.
A construção empresarial está
ditando como, quando e onde construir. Os financiamentos da Caixa
Econômica Federal tem regras mínimas a serem obedecidas e as
prefeituras, muitas vezes, permitem as construções sob influência
de forte lobby deste setor,
deixando de lado a observância da legislação pertinente.
Nessa
mistura, o resultado é trágico. As prefeituras não analisam o
preenchimento dos requisitos legais para as construções, bem como
deixam de fiscalizar o respeito aos direitos e deveres. Ou seja, os
órgãos públicos não atuam mais ativamente decidindo sob o foco do
interesse público como a cidade deve crescer, quem está fazendo
isso é o mercado, a favor de interesses particulares.
E
ai verificamos construções populares defeituosas em áreas
afastadas do centro da cidade, desprovidas de qualquer infraestrutura
em contraste com construções luxuosas ou de médio padrão feitas
em locais prestigiados de infraestrutura e que ainda comportam que as
mesmas casas populares feitas em locais distantes pudessem ter sido
construídas em seus vazios urbanos.
E
esse fato leva a várias consequências negativas que podemos
imaginar facilmente ao pensarmos em morar num lugar muito distante do
centro da cidade e onde não tem qualquer infraestrutura, desde as
mais básicas, como escolas, postos de saúde, lazer, cultura, etc. O
que temos assim, é uma população relegada à sorte e desrespeitada
em seus direitos.
Esse
problema, contudo, é fácil de ser resolvido, bastando tão somente
que nossos administradores públicos cumpram com o seu dever no
comprometimento de atender ao interesse público e não sejam
corruptíveis ao lobby que
só busca atender ao interesse privado.
A
construção civil empresarial é boa se conjugada com o respeito aos
direitos sociais, previstos no artigo 6º da Constituição Federal
(CF).
Se
assim for exercida a construção civil empresarial, teremos só
avanços nesse quesito. E ai o lucro não será só do empresário,
mas também de toda a sociedade que verá crescer o país para todos
e não mais só para o empresário.
É
preciso então que nossos administradores públicos respeitem as leis
pertinentes à construção de casas, das quais as mas salientes são
a CF e o Estatuto da Cidade, que preveem que essas construções se
façam com a garantia do respeito às pessoas e seus essenciais
direitos sociais que podem proporcionar seu pleno desenvolvimento.
Nessa
conduta a especulação imobiliária deve estar abaixo do direito à
moradia, e dessa forma o direito à moradia se restabelece na
condição que lhe é peculiar por ordem da CF, isto é, é um
direito a que faz jus toda pessoa e que deve ser respeitado acima do
lucro.
Para
garantir a preferência do direito à moradia sob o comércio da
moradia, a CF estabeleceu a função social da propriedade, dizendo
que é real proprietário da terra aquele que efetivamente ocupou
ela, e não aquele que a deixou desocupada, não a usando nem
permitindo que outro a usasse.
E
indo mais longe, a CF fixou reprimenda ao descumprimento da função
social da terra, preconizando assim o Imposto sobre a Propriedade
Territorial Urbana (IPTU) Progressivo, onde passa a aumentar o valor
do imposto sobre a propriedade em razão de ela estar desocupada, e
se persistir a desocupação a desapropria, revertendo-a para
destinação que atenda ao interesse público da função social da
propriedade.
Ainda
nesse sentido, fixou também a CF o instituto do usucapião,
destituindo do título de propriedade o proprietário que não ocupa
a terra mas possui seu título aquisitivo, e atribuindo o título de
propriedade ao real possuidor da terra, que atendeu a função social
da propriedade.
E,
desse modo, para atender à função social da propriedade, e, por
consequência, o direito à moradia, pode-se estabelecer;
- aluguéis acessíveis à renda da pessoa;
- o IPTU progressivo, que ainda inexiste na maioria das cidades;
- a construção de casas populares em vazios urbanos da cidade, onde já está contemplada a infraestrutura necessária à vida de cada um, e não a construção dessas casas em locais em que não há infraestrutura;
- a reforma de prédios existentes em áreas com infraestrutura e sua destinação para moradias;
- a atuação nas próprias favelas, qualificando esses espaços que já contam com vida social das pessoas que lá habitam, com a construção de moradias dignas e infraestrutura, e desde que haja respeito ao meio ambiente, senão, faz-se a remoção das pessoas para outro local onde haja a mesma qualificação;
- estímulo com recursos do governo federal para as cidades que instituíram o IPTU progressivo e que aplicam o Estatuto da Cidade;
- participação dos moradores das favelas e da comunidade nos processos de desfavelamento e construção de moradias.
E
além de inverter a lógica perversa que o mercado acordou com o
Poder Público, é necessário possibilidades iguais à todas as
pessoas, de maneira que todas as pessoas possam auferir renda
suficiente para atender a todos os direitos sociais previstos na CF.
Possibilidades
iguais para todos podem proporcionar que todos tenham os mesmos
acessoas e condições. Isso é bem diferente de políticas públicas
assistencialistas. Aqui temos ajuda com grande probabilidade de
dependência, lá temos dever do Estado com grande probabilidade de
independência das pessoas.
Veja
que o próprio Estado, através da CF, estabeleceu que o salário
mínimo deve ser de valor correspondente ao atendimento de todos os
direitos socais, de maneira que cada trabalhador possa, com sua
própria renda, acesso a seus direitos.
Mas
tendo em vista o valor do salário mínimo atual, verificamos que
ainda temos que mudar muito nesse aspecto.
Também,
para o sucesso das intervenções do Poder Público para a construção
de moradias populares para as pessoas provenientes de favelas é
essencial a participação da comunidade da favela no processo,
antes, durante e após as construções.
Os
programas de urbanização de favelas mais bem sucedidos no Rio de
Janeiro e em São Paulo, foram aqueles que combinaram projetos
urbanísticos discutidos com a comunidade, com integral participação
da comunidade nas discussões.
A
comunidade é sujeito político na solução dos problemas da cidade,
principalmente quando estes problemas estão lhe afetando
diretamente, como é a hipótese em questão. Dessa forma fazer
intervenções em suas vidas sem os escutar é praticar
autoritarismo, numa hierarquia que exclui. E essa exclusão fará com
que os moradores rejeitem ou não se adequem à nova proposta,
justamente porque não foram considerados no processo e ou porque as
soluções que lhe foram aplicadas não atendem satisfatoriamente às
suas necessidades.
Quem
vive a situação é que melhor pode falar dela. Dai ser primordial
considerar os moradores das favelas na construção de propostas,
além de ser democrática tal participação, sendo que a ausência
dela leva irrefutavelmente a ausência da própria democracia.
É
uma combinação de medidas que, juntas possibilitam o sucesso das
ações de intervenção para implementação de moradias, e,
separadas, levam, em algum momento, cedo ou tarde, ao fracasso da
ação.
Raquel
Bencsik Montero
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