Raquel Montero

Raquel Montero

sexta-feira, 26 de junho de 2020

CORONAVÍRUS E FAVELAS; O QUE SE QUIS IGNORAR VIROU SOMBRA NO DESTINO

Foto: Reprodução



O crescimento desigual do Brasil vem, desde a abolição da escravatura, perpetuando hierarquias sociais. No cenário de hierarquias temos, em outro extremo da balança, as favelas brasileiras, onde moram pessoas privadas da presença do Estado e dos serviços públicos, onde a violação do direito à cidade é constante. E agora, nessas mesmas favelas, o contágio pelo Coronavírus é constante. Dados de 21 de Maio de 2.020 apontavam que só as mortes contabilizadas nas favelas do Rio de Janeiro já somavam óbitos superiores ao de 15 estados brasileiros.
 
Favelas são o habitat de milhões de brasileiras e brasileiros sem opção para morar de outra forma (ou alguém escolhe viver em favela?). Favelas existem em decorrência de um processo de urbanização desigual e demais desigualdades sociais. É o reflexo contundente e categórico do conjunto dessas desigualdades. É também o reflexo e o resultado de governos incompetentes.
 
Na tentativa de não vê-las ou escondê-las, bem como, de esconder o resultado de governos incompetentes, é comum que elas existam nas periferias das cidades, locais afastados de tudo e de todas as pessoas. Se pudessem, a maioria dos governos não a permitiriam nem nas periferias, mas como eles não têm como esconder essas pessoas em outro lugar, e em algum lugar essas pessoas têm que morar, deixam que elas "existam", ou, "sobrevivam", nas periferias. Essa foi a saída encontrada para esconder essas pessoas e ao mesmo tempo esconder as mazelas que evidenciam uma urbanização desigual e uma má gestão governamental.
 
Todavia, as farsas não permanecem por muito tempo. Como já registrado na História, "se pode enganar todas as pessoas por um tempo, se pode enganar algumas pessoas o tempo todo, mas, não se pode enganar todas as pessoas o tempo todo".
 
Como continuar ignorando as favelas agora, que elas são um espaço de contágio rápido e crescente pelo Coronavírus? Como continuar ignorando que pessoas que vivem nas favelas são também as mesmas pessoas que fazem parte da classe trabalhadora que movimenta as engrenagens da economia do País? São pessoas que vivem nas favelas as mesmas que limpam as casas e cuidam das crianças das famílias da zona sul, outro extremo da cidade.
 
Foi ignorado até agora, mas, em tempo de mais de 50 mil mortes no Brasil ocasionadas pelo Coronavírus, como continuar ignorando que apenas 39% das moradias brasileiras têm acesso a tratamento de esgoto, segundo dados de 2.013 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)? Como continuar ignorando que nas favelas nem esgoto encanado tem, o que dirá tratado?
 
Como ignorar agora que a principal medida, a mais eficaz, segundo as autoridades médicas e sanitárias, para combater o contágio pelo Coronavírus, é o isolamento, e como falar de isolamento nas favelas, com famílias de cinco pessoas que dividem um mesmo cômodo?
 
Como uma crônica ou ironia, como profetizado pelo renomado psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung, "o que se quis ignorar virou sombra no destino". Poderosas e poderosos governantes, com o poder nas mãos para governar, há tempos vêm ignorando a existência dessas pessoas e relegando-as às periferias das cidades, onde elas ficam desprovidas da presença do Estado e do acesso a direitos fundamentais para uma existência digna, até que foram vencidas/vencidos, olha só, por um ser microscópico, que não só escancarou incompetentes governantes como igualou todas as pessoas, ricos e pobres, no mesmo risco de contágio. Na ausência de governos democráticos, tivemos um vírus democrático.
 
      Raquel Montero 

terça-feira, 9 de junho de 2020

TEM VÁRIAS FORMAS DE SE PROSTITUIR, A PELO SEXO É SÓ UMA DELAS


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 10.06.2020. No Tribuna o artigo também pode ser acessado pela internet através do link:



Imagem: Reprodução



No ano passado foi arquivado o Projeto de Lei n° 4211 de 2.012, de autoria do ex-Deputado Federal Jean Wyllys, que tramitava na Câmara Federal. Citado projeto de lei trata da regulamentação da atividade das/dos profissionais do sexo, batizado de "Lei Gabriela Leite", em homenagem à escritora, presidente da organização não governamental Davida, e ex-aluna de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), que se tornou profissional do sexo aos 22 anos. Gabriela foi muito ativa na luta pelos direitos das/dos profissionais do sexo e morreu em 2.013.

O projeto de lei foi arquivado por ter se encerrado a legislatura sob a qual o projeto estava tramitando e ele não ter sido votado no plenário da Câmara Federal durante a legislatura que findou.

Durante sua tramitação houve muitos debates e polêmicas entre opositores e defensores da regulamentação da atividade. Os debates são os canais por onde circula a energia que cria luz sobre as discussões. E esse aspecto faz dos projetos de lei bons instrumentos para semear e fomentar reflexões na sociedade e abrir caminhos para a sua evolução.

A atividade das/dos profissionais do sexo existe. Seu reconhecimento fez com que em 2.002 o Código Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho incluísse as/os profissionais do sexo no seu rol de profissões. Ela existe, portanto, e a parte da sociedade que quer ignorá-la, estigmatizá-la e marginalizá-la é a mesma sociedade que recorre a ela. Sua existência nunca deixou de ser fomentada e alimentada pela própria sociedade que a condena. Na narrativa mais antiga produzida pela humanidade, a Bíblia, a atividade já é citada, o que faz com que ela seja falada como a profissão mais antiga do mundo.

Assim sendo, seria positivo tal projeto retornar ao cenário dos debates e verificarmos qual a melhor maneira de tratar essa situação. Um debate honesto, sem fundamentalismo, sem moralismo, sem hipocrisia, sem demagogia, mas, sim, objetivando o melhor para essa situação, resguardando direitos, protegendo a dignidade da pessoa e condições de progresso social.

Um debate honesto pode proporcionar, de fato, reflexões na sociedade, e são as reflexões que dilatam nossas percepções nos permitindo enxergar além do que já sabemos ou do que sabemos com deturpações. Reflexões sobre este assunto, podem, ainda, fazer a sociedade se confrontar com suas contradições e hipocrisias, levando-a a choques salutares, senão vejamos na sequência.

A atividade das/dos profissionais do sexo é mais chamada de prostituição. Ao buscarmos pelo significado da palavra "prostituir" temos: "1.Entregar-se a ou manter relações sexuais em troca de dinheiro; 2.Rebaixar(-se) moralmente; degradar(-se), corromper(-se) (Mini Dicionário Houaiss, Rio de Janeiro, 2.012, 4º edição). Prostituir-se, então, se dá tanto em uma relação sexual praticada mediante pagamento, quanto em atos de rebaixamento moral, de degradação, de corrupção.

Então, nos demais sentidos de "prostituir" podemos citar como exemplos um advogado que defende um caso que sabe ser errado, vendendo seu intelecto em troca de dinheiro, as pessoas que comercializam os cigarros de nicotina que causam mal à saúde, as pessoas que vendem refrigerante que causam mal à saúde, as pessoas que se casam sem amor, as pessoas que aceitam fazer propaganda para vender produtos que causam mal às crianças, as pessoas que trabalham em um serviço público sem vocação ou sem gostarem do que faz, apenas pelo dinheiro e prestando mal o serviço, as pessoas que em uma eleição trocam votos por vantagens ou dinheiro, assim como um deputado que vota um projeto de lei em troca de dinheiro, uma médica que aceita agrados da indústria farmacêutica, a mesma indústria que produz as drogas que são vendidas às pessoas após serem receitadas pela classe médica. Todos estes comportamentos seriam atos de corrupção, imorais, degradantes, e as pessoas que se comportam assim estariam se corrompendo por dinheiro, ou, se prostituindo.

Se há tantas formas de prostituição existentes na sociedade por que só uma causa polêmica e incomoda essa mesma sociedade? Não será o casamento sem amor uma das formas mais tristes de corrupção e que pode levar a tantas outras mazelas ainda piores,  já que do casamento vem a família e a família é a base da sociedade?

Um debate honesto levará a sociedade a reflexões, e, também, às suas contradições e hipocrisias. Mais uma chance para a evolução.

Raquel Montero

segunda-feira, 1 de junho de 2020

FEMINISMO É UMA JORNADA DE AMOR E IGUALDADE


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 03.06.2020. No Tribuna o artigo também pode ser acessado pela internet através do link:
 



Imagem: Reprodução



O feminismo em nada se refere ao que algumas pessoas propagam sobre ele, ou seja, "feminismo é ser contra homem, é odiar homem". Nada disso. Feminismo é a busca pela igualdade entre homens e mulheres, é a ideia amorosa de que é possível que mulheres e homens sejam pessoas tratadas com igualdade e igualmente respeitadas. Igualdade de oportunidades, igualdades sociais, políticas e econômicas.

E essa luta é necessária porque ainda não temos na sociedade essa igualdade e respeito, ao contrário. Temos uma cultura que responsabiliza a mulher pela jornada dupla de trabalho, que responsabiliza apenas a mulher pela higiene da casa e cuidados com os filhos e filhas, e não cobra o mesmo dos homens, como se eles fossem imunes a isso ou incapazes disso. Uma cultura que cobra da mulher acerca de seus próprios corpos, padronizando como eles devem ser; o tamanho do peito e da bunda, induzindo mulheres a colocar silicones se estes não se encaixarem no padrão cobrado; corpo magro;  cintura fina; cabelo comprido e liso, e por ai vai. E cobra o comportamento também: não pode rir muito alto, não pode dançar com muita sensualidade, no estilo do slogan "bela, recatada e do lar". E os comportamentos impostos, quando não cumpridos pelas mulheres, podem ser utilizados contra elas para justificar assédios, abusos, violências e estupros cometidos pelos homens.

 Por outro lado, vejamos os homens, não demonstram preocupação com seus corpos e comportamentos, demonstrando estarem convictos de que merecem ser amados como são. E por que essa cobrança das mulheres, então? Há uma hierarquia entre homens e mulheres que faz com que homens possam cobrar mais beleza e perfeição das mulheres?

A mesma cultura responsabiliza a mulher pelo estupro que sofreu; "foi porque a saia era muito curta". Responsabiliza a mulher pela violência que sofreu do companheiro; "ele pode não saber porque bateu, mas ela sabe porque apanhou". Responsabiliza a mulher pelo assédio que sofre do chefe: "foi assediada porque namorou um colega de trabalho, então, deu margem a isso."

Nessa mesma sociedade a mulher adoece porque foi assediada e perseguida pelo chefe, a mulher é assediada no transporte coletivo, onde entra no ônibus e pode sair com a roupa manchada pelo sêmen de um homem que nunca viu. E a cobrança sobre a sexualidade da mulher, como se fosse algo público que qualquer pessoa pudesse dar opinião. Por que homens são criados para "pegar todas" e mulheres são criadas para serem puras e castas?

O relatório da Oxfam Brasil, baseado em dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio Contínua (PNAD) de 2.016 e 2.017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as mulheres, desempenhando o mesmo trabalho que os homens, ganham, em média, 72% do que ganham os homens no Brasil. As mulheres negras, desempenhando o mesmo trabalho que mulheres brancas, ganham ainda 30% a menos do que ganham as mulheres brancas.

O PNAD mostra, ainda, que mais de 40% das famílias brasileiras são chefiadas por mulher, destes lares 26,8% são compostos por mães que criam sozinhas filhos e filhas. 6 milhões de crianças sequer têm o registro do pai na certidão de nascimento. E com relação à esses homens a sociedade cobra tão pouco, quando pagam pensão alimentícia já são considerados heróis. Já se é a mãe que tem o mesmo comportamento, é crucifixada.  

Isso tudo é certo? É justo? O feminismo entende que não e por isso defende a mudança dessa realidade. Essa é a luta do feminismo, ninguém acima de ninguém, apenas iguais em oportunidades e respeito.

       Raquel Montero