Raquel Montero

Raquel Montero

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A PM tem que ser fiscalizada, também, por cada cidadã e cidadão


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 30.09.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:




Imagem: Reprodução

 


A Polícia Militar (PM) é uma instituição que tem o dever constitucional de impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, conforme artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, ao lidar com situações de conflito a PM vem demonstrando que muitas vezes só consegue provocar mais violência. Quem não ouviu ou viu sobre Amarildo, Agatha Félix, Luana Barbosa a festa de jovens em Paraisópolis, o fotógrafo baleado no olho? Isso só para ficar nesses cinco exemplos que tiveram repercussão internacional. Além desses casos existem os que não chegaram até a imprensa, os que não são denunciados pela vítima, os que não saem da esfera da corporação da PM.

 

Essas ações truculentas e monstruosas por parte de policiais militares seriam as consequências de um câncer que existe na instituição "PM", e o câncer, por sua vez, tem a sua causa. Essa causa é a origem de tudo, e como tal, tem que ser aprofundada e debatida no sentido de buscar a sua cura. A origem é a própria estrutura da PM, sua ideologia e sua concepção de função na sociedade. E foi sobre isso que nasceu o debate da desmilitarização da PM. Mas esse assunto não é o tema da presente reflexão. Esse assunto merece um aprofundamento exclusivo a ele.

 

 Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), em 2019, foram 848 denúncias contra policiais do Estado de São Paulo, abrangendo os policiais civis e militares, sendo que 714 delas foram contra policiais militares. Em 2018, foram 709 denúncias. Essas denúncias resultaram, só em 2019, em 510 policiais presos, demitidos ou expulsos das instituições. Já a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo registrou 1.115 denúncias contra policiais entre Janeiro e Julho de 2019. Essas denúncias são as que foram formalizadas, ou seja, há que se cogitar, ainda, sobre casos que podem não ter sido denunciados por receio e medo da vítima.

 

Se a função institucional e constitucional da PM é impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, a PM cumpre com sua função quando age com violência ou quando resulta violência de suas ações? Não, não cumpre. E agindo assim a quem serve e para que serve a PM? A segurança de quem a PM está fazendo agindo assim?

 

 Pode-se pensar; "mas a PM não age com violência, age no cumprimento do dever e dessa atuação pode resultar feridos". Não é cumprimento do dever quando alguém sai de uma ação policial ferido, ofendido ou morto. A PM não está autorizada a provocar esses resultados, isso não está dentro de seu dever institucional e constitucional. Quando esses resultados ocorrem é porque a PM agiu errado, miseravelmente errado, e descumpriu sua função.

 

Diante desse quadro miserável, para além da fiscalização feita pelos órgãos públicos competentes da Secretaria de Segurança Pública, da Ouvidoria da Polícia, da Corregedoria da Polícia, do Disque 100, do Ministério Público, das/dos parlamentares, e do julgamento do Poder Judiciário, nós, cidadãs e cidadãos, também temos que fiscalizar a PM e suas/seus policias militares, onde quer que estejam. É direito das pessoas fazer essa fiscalização, e, também, é dever.

 

É muito comum quando se passa perto de policiais militares nas ruas as pessoas passarem longe, abaixarem a cabeça, não encarar as/os policiais. Está errado. Temos o direito e o dever de olhar, encarar o que está sendo feito, fiscalizar o trabalho e a atuação das/dos policiais diante de suas abordagens e intervenções.

 

Policiais militares são agentes públicos/públicas que têm a função de servir ao interesse público e ao povo, devem respeito e satisfação à comunidade, às cidadãs e aos cidadãos, que são a razão de ser da existência de seu trabalho, que remuneram seus salários e que são os destinatários de suas ações.

 

E além de exercemos um direito e um dever ao fiscalizar o trabalho da PM, com essa atitude ainda estaremos contribuindo para tentar impedir e evitar abusos e arbitrariedades na ação policial, e, também, sendo solidários à outra pessoa, que está passando por uma abordagem policial. Hoje é com aquela pessoa, amanhã pode ser com nós mesmos. E se a/o policial militar estiver agindo corretamente não terá porque temer a ação fiscalizadora da cidadã e do cidadão, ao revés, se temer, é porque está fazendo algo errado, e ai, já devemos denunciar e pedir ajuda. Com fiscalização e participação popular o serviço público funciona melhor em qualquer lugar do mundo.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Entre homens e mulheres, a pandemia desequilibrou um pouco mais a balança


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 24.09.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/homens-e-mulheres-pandemia-desequilibrou-a-balanca/



Foto: Reprodução/Pixabay

 


Já tem muitas pesquisas sobre o assunto e que sempre atestam o mesmo resultado; no mundo, mesmo em países desenvolvidos, mulheres gastam quase o dobro do tempo que os homens em serviços domésticos e trabalho não remunerado (faxinar e cuidar de filhos seriam dois desses trabalhos sem remuneração que as mulheres fazem a mais que os homens). E as mulheres fazem isso mesmo tendo uma jornada de trabalho remunerada similar à dos homens: homens trabalham oito horas em média e mulheres sete horas e 45 minutos. A diferença é que desse conjunto de horas os homens trabalham 02 horas e 21 minutos sem remuneração e as mulheres 04 horas e 30 minutos (dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE).

 

No Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) essa diferença é ainda maior; as mulheres brasileiras gastam em média 26,6 horas semanais com trabalho doméstico enquanto os homens dedicam apenas 10,5 horas.

 

O que tem de novidade nisso? A pandemia.

 

A pandemia aumentou o peso na balança para o lado das mulheres. Foi o que apurou pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizada com mais de 40 mil pessoas que responderam a um questionário pela internet sobre as mudanças vividas durante o isolamento social no período da pandemia.

 

As mulheres relataram mais problemas no estado emocional. As que se sentem tristes ou frequentemente deprimidas foram 50% das entrevistadas, enquanto para os homens esse percentual chegou a 30%. O índice de quem disse ter sentido ansiedade ou nervosismo no período foi de 60% para as mulheres, chegando a 43% entre os homens.

 

Esses resultados podem ser explicados, entre outros fatores, pelo excesso de trabalho desempenhado pelas mulheres durante a pandemia: 26,4% das mulheres afirmam que o trabalho doméstico aumentou muito durante a pandemia, percentual mais de duas vezes maior que o dos homens, 13,1%. E esse aumento de trabalhos domésticos implica em dificuldades maiores também para a execução de atividades relacionadas ao emprego de forma geral, em especial quando há trabalho remunerado desempenhado em casa.

 

É uma mãe, uma filha, uma avó, uma neta, uma tia, uma sobrinha, uma vizinha, uma amiga, uma colega de trabalho, sempre é possível ver esse desgaste, esse desequilíbrio na balança, essa injustiça, essa, é dizer, também, essa exploração.

 

É, sim, injustiça e exploração. Dentro de uma casa, de um lar, em que pessoas convivem coletivamente, o casal, ascendentes, descendentes e ou outros parentes, todos sabem que os afazeres de uma casa não se realizam por si, para isso é necessário que alguém os execute, e se não é a própria pessoa que está fazendo, oras, é a outra, claro. E por que quem não faz se acha no direito de não fazer e acha justo que só a outra pessoa faça ou faça bem mais?

 

Meninos e homens, crianças e adultos, não são capazes de limpar a casa, cuidar da roupa, fazer comida e auxiliar as pessoas idosas da família? Por que essas tarefas só cabem às mulheres e as meninas das famílias?

 

Se meninos e homens não são capazes disso, também não estão capacitados para ir para a vida, viver e crescer, porque a vida, lá fora, seja em relações pessoais, seja em relações profissionais, muito mais do que o ambiente familiar, pede pessoas que saibam viver de maneira coletiva, fraterna, solidária, dividindo tarefas, compartilhando conhecimento e somando forças. A vida faz essa seleção naturalmente, assim como está demonstrando que esse modelo de família, desde sempre errado, é visto cada vez mais como arcaico e anacrônico.

 

Só quem saiba viver assim vai conseguir viver minimamente bem nas relações e em paz consigo, e construir boas relações. Não haverá paz, e nem progresso, com relações injustas e desequilibradas. 

 

Nem mais, nem menos, apenas tratamento igual entre meninos e meninas, entre homens e mulheres. Ninguém acima de ninguém, apenas iguais em oportunidades e respeito.

 

Raquel Montero