Raquel Montero

Raquel Montero

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Se estava embriagada, é estupro

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 28.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/se-estava-embriagada-e-estupro/




Foto: Reprodução

 


A cada 08 (oito) minutos uma pessoa foi estuprada no Brasil em 2019. Foram mais 66.123 casos registrados nas delegacias de todo o país.  Em quase 85,7% deles, as vítimas eram mulheres, o que revela que a violência de gênero ainda é uma realidade sombria e que precisa ser combatida. Os dados são da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

 

Eles foram divulgados em um contexto em que o crime de estupro ganhou força na imprensa com o caso do jogador de futebol Robinho, condenado em 2017 em primeira instância pelo Tribunal de Milão, na Itália, a nove anos de prisão pelo crime de violência sexual em grupo, formado por 06 (seis) pessoas, contra uma jovem albanesa de 23 anos.

 

Diálogos do jogador obtidos através de interceptações telefônicas gravadas com autorização da Justiça italiana foram determinantes para a condenação do jogador Robinho e Ricardo Falco, seu amigo, e foram transcritos na sentença. Os diálogos gravados foram divulgados com autorização judicial, e neles o jogador Robinho e seu amigo Ricardo Falco mostram que tinham consciência que a vítima não estava em condições de dar consentimento, que estava alcoolizada, e demonstram preocupação com a possibilidade de ela registrar uma denúncia. A ver alguns dos diálogos;

 

Falco: Ela se lembra da situação. Ela sabe que todos transaram com ela.

Robinho: O (nome do amigo) tenho certeza que gozou dentro dela.

Falco: Não acredito. Naquele dia ela não conseguia fazer nada, nem mesmo ficar em pé, ela estava realmente fora de si.

Robinho: Sim.

 

Isso é estupro. Praticar ato sexual com alguém que "não conseguia fazer nada, estava fora de si" é estupro.

 

Jairo Chagas, músico que tocou naquela noite no local, teria avisado o jogador Robinho sobre a investigação. O jogador, então, respondeu: "Estou rindo porque não estou nem ai, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu."

 

Isso é estupro. Praticar ato sexual com uma mulher que está bêbada é estupro, porque ela não está com consciência, está em condição de vulnerabilidade e não tem condições de dar consentimento. Está exatamente como disse o amigo do jogador Robinho, "fora de si".

 

Em outra conversa com o músico, o jogador Robinho disse:

Robinho: A Polícia não pode dizer nada, eu direi que estava com você e depois fui para casa.

Jairo: Mas você também transou com a mulher.

Robinho: Não, eu tentei. (nome de amigo 1), (nome de amigo 2), (nome de amigo 3)...

Jairo: Eu te vi quando colocava o pênis na boca dela.

Robinho: Isso não significa transar.

 

 Em interrogatório o jogador negou o abuso mas admitiu ter ocorrido a prática de sexo oral na jovem de 23 anos. Em outras conversas gravadas o jogador disse que os outros cinco amigos tiveram relação sexual com a vítima e que ele tentou ter, e que recebeu sexo oral da vitima e que isso não significa transar. O abuso foi praticado por 06 pessoas, incluindo o jogador Robinho.

 

O caso ganhou repercussão internacional, e aqui no Brasil causou muita indignação contra o jogador. Tamanha repercussão contra o jogador, promovida pela indignação das pessoas nas redes sociais e pelos patrocinadores do time que cobraram uma posição do Clube de Futebol Santos, que chegaram a ameaçar de tirar a verba de patrocínio acaso o time não fizesse nada, fez o Santos suspender o contrato que havia feito com o jogador.

 

Depois da repercussão o jogador Robinho concedeu uma entrevista onde ele falou pela primeira vez do caso. Ele negou novamente que tenha ocorrido o crime porque não houve penetração da parte dele, que sexo oral não é sexo, que o que aconteceu lá foi de forma consentida e que o único erro que ele cometeu foi de ter traído sua esposa. E durante a entrevista ele disse também que “Infelizmente, existe esse movimento feminista. Muitas mulheres às vezes não são nem mulheres, para falar o português claro (…)".

 

As declarações do jogador Robinho são tão revoltantes e deploráveis quanto a prática de um estupro coletivo contra uma jovem de 23 anos que está alcoolizada, sem consciência, portanto. Felizmente existe esse movimento feminista no Brasil, que combate estupros coletivos.

 

Raquel Montero

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Entrevista para a Revide sobre desigualdades de participação entre homens e mulheres nas eleições

     Na edição desta semana da Revista Revide fui entrevistada para comentar sobre matéria que trata da desigualdade de participação entre homens e mulheres em mais uma eleição. O número dessa desigualdade é enorme; de 11 candidaturas à prefeitura de Ribeirão, apenas duas são de mulheres, e de 568 candidaturas à vereança, apenas 181 são de mulheres. E isso acontece apesar das mulheres serem a maioria na população de Ribeirão.












terça-feira, 13 de outubro de 2020

Em 16 anos a estatal Correios foi melhor que empresas privadas

 

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 21.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/em-16-anos-a-estatal-correios-foi-melhor-que-empresas-privadas/



Foto: Reprodução



O Presidente da República, Jair Bolsonaro, (sem partido), defende em seu governo a privatização de serviços e empresas, e utiliza como fundamentos das privatizações que quer fazer o lucro que a venda das empresas estatais traria e o melhor funcionamento dos serviços sob gestão privada. E como projeto mais recente de privatização defendida por Bolsonaro está a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

 

Mas a privatização leva mesmo a esses resultados? Qual serviço público privatizado melhorou ao ser privatizado? O modelo estatal não está, de forma generalizada, levando à esses resultados satisfatórios? Se há problemas na empresa estatal, assim como existem aos montes nas empresas privadas, o certo a ser feito é resolver o problema ou descartar a empresa junto com o problema? Eliminar o patrimônio público em razão da má administração dos gestores equivaleria a "culpar" o patrimônio pela má administração feita pela pessoa que o administrou, quando, ao revés, se deveria culpar ou responsabilizar a pessoa que o administrou. 

 

Com relação ao argumento do "lucro" ele é errado. Empresa estatal não tem que dar lucro, ela tem que cumprir sua função constitucional, cumprir bem e sem causar prejuízo. Mesmo assim, sem ter que dar lucro, estatais brasileiras vêm dando lucro, e de forma progressiva como se pode constatar com a Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

 

Com relação ao outro argumento utilizado por Bolsonaro para a defesa da privatização, de que o serviço é melhor prestado sob gestão privada do que sob a gestão pública, há experiências concretas que contestam esse argumentos, dentre elas, as telecomunicações e a própria ECT, que Bolsonaro quer vender.

 

 Os registros das reclamações e denúncias apresentadas por consumidoras e consumidores nos Procons de todo o Brasil contra empresas nos últimos 16 (dezesseis) anos, 2004 à 2019,, e consolidadas no banco de dados oficial e nacional do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC), da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, demonstra que empresas de telecomunicações, após a privatização das telecomunicações, constaram por 15 (quinze), dos últimos 16 (dezesseis) anos, como primeiro lugar nas listas anuais, de 2004 à 2019, das 100 empresas mais reclamadas do Brasil, e no mesmo período constou entre o primeiro, segundo e terceiro lugar de assunto mais reclamado e área mais reclamada do Brasil. E isso tudo após a privatização das telecomunicações ocorridas em 1998 sob o governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB.

 

Com base nessa análise se constata que a privatização das telecomunicações, que substituiu o modelo estatal de prestação desse serviço e que veio como uma promessa de qualidade no serviço, não garantiu a qualidade dos serviços prestados, e o fundamento sob o qual ela ocorreu, por estes resultados, não se sustentaram, do contrário, não teríamos esses resultados, e de maneira consecutiva, reincidente e por parte de várias empresas privadas.

 

Já a ECT, que é uma empresa pública federal que atende todo o território nacional e o exterior, considerando a essencialidade do serviço dos correios, a prestação do serviço em regime de monopólio e comparada a ECT com empresas privadas que atendem menos quantidade de consumidoras e consumidores e que constam dentre as 10 (dez) empresas mais reclamadas nas 16 listas anuais analisadas, sendo essas, o Banco Bradesco que tem 28,3 milhões de clientes, o Banco Santander que tem 25,5 milhões de clientes, o Banco Citibank (até antes da venda de seu varejo de clientes pessoas físicas em 2016) que tinha 315 mil clientes, a ECT, comparadas com essas empresas privadas,  nunca constou entre as dez empresas mais reclamadas, já essas empresas privadas, sim, a ECT nunca constou como serviço mais reclamado dentre os 24 (vinte e quatro) serviços mais reclamados, já os serviços prestados por essas empresas privadas, sim, a ECT não constou em 02 listas anuais (2007 e 2008), já essas empresas privadas constaram em todas as listas anuais nos últimos 16 anos analisados.

 

Essa comparação da ECT com as empresas privadas mencionadas permite constatar melhor desempenho da empresa estatal em comparação com empresas privadas, e assim, a melhor prestação do serviço sob a gestão pública do que sob a gestão privada tendo como comparação a quantidade de pessoas atendidas. Mais um fato concreto,  portanto, que contesta o argumento de Bolsonaro.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Bater em criança e adolescente é covardia e violência



Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 08.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/bater-em-crianca-e-adolescente-e-covardia-e-violencia/



Foto: Reprodução

 


Costumamos falar e ouvir muito sobre críticas à violência, sobre falta de respeito, agressividade. Contraditoriamente, é comum vermos e ouvirmos, também, pais e mães dizerem às suas próprias filhas, ou, aos seus próprios filhos: "se fizer isso eu vou te bater", ou, "se fizer aquilo você vai apanhar".

 

Um pai, uma mãe, ameaçar de bater em sua própria filha, ou, em seu próprio filho, ou, efetivamente bater, é a pior violência que pode existir, é a maior das covardias que um ser humano pode praticar. Aquela pessoa que deveria ensinar a dialogar, a amar e a não causar dor a ninguém, passa a fazer o contrário, pratica violência contra uma pessoa de menos força e que está totalmente dependente de seu cuidado e educação, que está sob sua responsabilidade para ser criada e educada para a vida.

 

Pode-se chamar de "educação" e de "cuidado" algo que se baseia em "bater" na outra pessoa? A que caminho poderá levar tal método baseado em bater ou agredir verbalmente senão ao caminho de mais violência, já que a mensagem que fica com tal método é o de que é com violência que se resolvem os conflitos, e não com diálogo, respeito e amor?

 

Quando se usa de violência física ou verbal contra a outra pessoa, não é educação e nem amor, é violência, descontrole, despreparo e ausência de argumentos para dialogar. Não é amor um beliscão, um tapa na cara, uma palmada, um grito, uma cintada, uma humilhação, uma ofensa, um aperto em alguma parte do corpo.

 

Usar de violência é sempre errado, e a situação fica ainda pior quando há desigualdade de forças entre as pessoas. Quando uma pessoa maior e mais forte bate em outra menor e menos forte, é covardia. Quando um adulto bate em uma criança ou em um adolescente, é a maior das covardias. Quando uma mãe ou um pai bate em sua própria filha ou em seu próprio filho, é a pior forma de violência porque é praticada por quem deveria estar dando e ensinando amor, e não violência. 

 

Quando o funcionário faz algo errado ou de que não gostou o seu chefe, o funcionário não pode levar um tapa na cara ou uma cintada do chefe. Quando em um casal a companheira fez algo de que não gostou seu companheiro, o companheiro não pode lhe dar beliscões ou palmadas. Por que, então, uma mãe ou um pai acham que podem bater em sua filha ou em seu filho quando ela/ele fazem algo que o pai e a mãe não gostaram? Se o adulto pode errar na vida ou fazer algo de que discordou a outra pessoa, seja em seu trabalho, seja em seus relacionamentos, e isso não pode levar o adulto a apanhar da outra pessoa ou receber uma ameaça de que "se fizer isso você vai apanhar", por que o mesmo adulto, pai ou mãe, acham que a criança e o adolescente, que são pessoas em formação e desenvolvimento, podem apanhar quando fazem algo errado ou de que discordou sua mãe ou seu pai?

 

Além de ser o óbvio que não se pode bater em ninguém, principalmente quando esse alguém é uma criança e um adolescente, e cogitando-se que, infelizmente, há quem, por ignorância, despreparo e covardia, ainda, queira resolver conflitos mediante violência, o assunto também foi contemplado na lei, de maneira a ficar expressamente proibido bater em crianças e adolescentes.

 

A Constituição Federal (CF) estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado, ou seja, de todas as pessoas da sociedade, proteger as crianças e adolescentes, de quem quer que sejam filhas e filhos essas crianças e adolescentes, zelando por seus direitos e sua integridade física e salvando-as de qualquer violência a que se tenha conhecimento que possa estar acontecendo contra elas, inclusive, agindo de maneira a prevenir violência e ameaça a direitos contra qualquer criança e adolescente.

 

Dentre as condutas proibidas para o pai e para a mãe contra filha/filho, conforme estabelece o artigo 1638 do Código Civil, estão as de castigar imoderadamente sua/seu filha/filho, deixar em abandono e praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a criança e o adolescente devem ser educados e criados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, onde quer que estejam e sob a responsabilidade de quem quer que estejam. O ECA esclarece que castigo físico consiste no uso da força física, e a pessoa que se utilizar de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante contra criança e adolescente será responsabilizada cível e criminalmente, de acordo com o Código Penal, com o rol dos crimes previstos nos artigos 228 à 244-B do ECA, e o rol de infrações administrativas previstas nos artigos 245 à 258-C do ECA, e além dessas sanções, serão aplicadas as seguintes medidas à pessoa responsável: encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;  encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; encaminhamento a cursos ou programas de orientação; obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; advertência. 

 

Portanto, é errado, a lei proibe e todas as pessoas da sociedade têm o dever de impedir e denunciar violência física ou verbal que tenham conhecimento de que esteja ocorrendo contra crianças e adolescentes.

 

Raquel Montero