Raquel Montero

Raquel Montero

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O que a vida quer da gente é coragem

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 06.01.2021. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/o-que-a-vida-quer-da-gente-e-coragem/




Foto: Reprodução

 


Acima de tudo 2020 foi um ano de pandemia que levou muitas pessoas e que deixou diferentes reflexões.

 

A necessária medida de isolamento social, recomendada pelas autoridades médicas e sanitárias, dentre elas, a Organização Mundial de Saúde (OMS), como medida mais eficaz no combate ao vírus, trouxeram junto, apesar dos pesares, uma fértil oportunidade de nos voltarmos para dentro, já que não podíamos ir para fora - e a recomendação é que continuemos não indo - e com isso refletirmos mais sobre a vida e todos os aspectos sociais que a preenchem e que nos faz coexistir em sociedade, como uma grande fraternidade universal que, se não somos ainda, é o que deveríamos ser e buscar ser.

 

São os conflitos entre as pessoas que fazem com que direitos humanos e sociais tenham que ser reivindicados, do contrário, se não existissem conflitos, não teria reivindicação. E essa situação é uma grande demonstração, portanto, do muito que ainda temos que evoluir.

 

Essa evolução é absolutamente possível, e todas as pessoas têm a capacidade de ser mais e melhor. E quando nasce um ano novo é comum que se pense em mudanças, em tudo aquilo que não se quer mais e tudo aquilo que se quer conquistar. A evolução e a mudança são possíveis desde que se tome decisão para isso, e se misture a ela quatro outros ingredientes ou valores: amor, luta, esperança e conhecimento.

 

Só o amor constrói, e constrói quando lutamos. Milagres acontecem quando vamos a luta. E o que nos alimenta na luta é a esperança e o conhecimento, que não só liberta, como, também, nos emancipa da ignorância que tanto mal produz.

 

É possível as mudanças que queremos ver acontecer porque temos a força motriz que tudo move nas engrenagens da vida. Não é por outra razão que, segundo o Cristianismo, o Pai teria dito: "sóis deuses". E como deuses ele teria explicado que cada pessoa é capaz de fazer tudo aquilo que pede ao próprio Pai. As pessoas, então, carregariam dentro de si, em sua centelha divina, a força e a capacidade de realizar mudanças, em suas própria vidas e na sociedade. No mesmo sentido o filósofo, escritor e educador indiano Krishnamurti afirmava que o autoconhecimento era a chave para solucionar os problemas humanos, e a urgente mudança social só seria possível a partir de uma transformação individual (Krishnamurti, o Livro da Vida, São Paulo, 3º Ed. Academia, 2.016).

 

Na trilha da evolução é imprescindível também que cada pessoa seja responsável por seus atos e pensamentos e o que eles geram em sua vidas, nas vidas das outras pessoas e na vida como um todo, no mesmo espírito que pregou Gandhi incansavelmente; "que cada pessoa seja a mudança que quer ver no mundo". Tomar decisões sem se responsabilizar pelos próprios atos e as consequências deles é o mesmo que dizer "eu quero e sou capaz, mas não tenho coragem de assumir riscos e dificuldades, e, muitas vezes, erros." Como se avança sem correr riscos?

 

E ai, então, para viver se verifica a necessidade de mais um ingrediente ou valor a se somar aos outros; a coragem. Para viver é preciso ter também "coragem", que, por sua vez, decorre e é alimentada pela esperança, porque "o contrário do medo não é a coragem, é a fé", como bem explicou Frei Betto, e da fé vem a coragem para agir. E no mesmo sentido, em versos que acaloram e estimulam a alma, Guimarães Rosa teria eternizado esse mandamento da vida: "A vida é assim; esquenta e esfria, aperta e dai afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."

 

O que a vida quer da gente é coragem, hoje e sempre. Coragem para decisões, para agir, para viver e, sobretudo, para amar. Feliz 2021!

 

Raquel Montero

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A difícil e corajosa atitude de denunciar o assediador





Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 09.12.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

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Na última sexta-feira, dia 04, a atriz e humorista Dani Calabresa publicou um texto em suas redes sociais denunciando os assédios sexuais que sofreu de Marcius Melhem, ator, roteirista, diretor e coordenador do departamento de humor da emissora Globo.

 

Os detalhes dos assédios foram publicados pela Revista Piauí, para quem Calabresa deu depoimento. Para a reportagem, que pode ser utilizada como denúncia em processos judiciais, foram ouvidas 43 pessoas em conversas presenciais, virtuais ou por meio da troca de mensagens de texto ou áudio. Entre elas, duas vítimas de assédio sexual de Melhem, sete vítimas de assédio moral e três vítimas dos dois tipos de assédio, o sexual e o moral. Calabresa ainda tem mensagens de celular como provas dos assédios.

 

A atitude difícil e corajosa de Calabresa motivou outras mulheres, também vítimas de Melhem. Mais cinco mulheres, pelo menos, denunciaram Melhem por assédio sexual. Três delas falaram que ele costumava encostar-se nelas roçando o pênis ereto. “Ele fazia isso até quando me encontrava nos corredores. Sempre em tom de brincadeira, como se o lugar fosse apertado demais e fosse impossível não encostar em mim”, relatou uma delas. Outra atriz contou que Melhem a visitou em seu apartamento, para onde ela acabara de se mudar, quis conhecer seu quarto e, ao chegar ali, expôs sua genitália. Outra relatou que ele apareceu de surpresa em sua casa, dizendo que, ao passar casualmente pela região, resolveu visitá-la. Enquanto conversavam sobre a carreira dela na televisão, ele tentou agarrá-la.

 

Para chegar nesse ponto, no entanto, o caminho foi árduo para Calabresa. Ela denunciou os fatos para sua empregadora (Globo) várias vezes, através de diferentes instâncias, e fez isso porque conforme ia denunciando e não recebia retorno da denúncia feita e para não deixar o assunto morrer, buscava novos caminhos.

 

Calabresa fez o certo ao denunciar e ao não desistir da denúncia, porém, ao fazer isso, a cada vez que tinha que falar do assunto para as novas instâncias da empregadora ela revivia os assédios pelos quais passou, o que se torna mais uma agressão para a vítima, uma revitimização acompanhada da ojeriza de reviver, agora publicamente, a dor e o constrangimento pelos quais passou.

 

Por cada instância da empregadora Globo que Calabresa passou para denunciar os assédios, e segundo ela relatou foram pelo menos três instâncias, ela ficou horas falando, sendo indagada e respondendo, chegando a ficar cinco horas em uma dessas reuniões. A própria legislação já reconheceu o caráter maléfico e de nova agressão desse procedimento, e buscando combater isso a Lei Maria da Penha estabeleceu em seu artigo 10-A, § 1º, inciso III, a não revitimização da vítima com repetitivos depoimentos.

 

Mas a incompetência e o desrespeito da Globo em lidar com o assunto não parou por ai. Diante das denúncias a empregadora Globo não emitiu decisão e manteve o caso em sigilo, o máximo que fez até agora, após quase um ano da denúncia recebida, foi sugerir a Melhem, como resposta às denúncias de assédio, que ele fizesse terapia. Quase um presente pelos assédios praticados.

 

 E embora a Globo não tenha tomado lado, Melhem, após 17 anos na emissora, não trabalha mais na Globo após as denúncias feitas por Calabresa nas redes sociais e na imprensa. No comunicado público de desligamento de Melhem a Globo ainda fez elogios a ele e nada falou das denúncias de assédio.

 

Um chefe assediador deixa para trás, por onde passa, uma terra arrasada no que se refere aos aspectos psicológicos, mentais e emocionais da pessoa perseguida. São homens que instrumentalizam sua posição de poder hierárquico para assediar sexualmente as mulheres cujas carreiras dependem deles. Precisa de tratamento uma pessoa assim, para tratar essa mente deturpada e esse caráter covarde e apresender a respeitar que "não" é "não"? Claro, se trata de uma pessoa mentalmente doente e talvez de um psicopata, mas, para além disso, também precisa responder pelo mal  que fez, sendo responsabilizada pelos seus atos e praticando, da melhor forma, a reparação dos prejuízos.

 

E quem se omite diante de uma denúncia de assédio sexual e moral já fez uma escolha; a de ser conivente e tolerante com o assediador e o assédio, do contrário, não ficaria na omissão. A omissão é uma escolha, a escolha do não-agir e se tornar conivente. A história, por sua vez, é implacável no reconhecimento de quem fez, de quem não fez e do que foi feito. Após a atitude corajosa e das pedras no caminho, Dani Calabresa recebeu uma chuva de apoios de personalidades famosas, dentre elas, colegas de trabalho dela e de Melhem. Já Melhem perdeu o emprego, o respeito e a máscara. 

 

Raquel Montero

Dia 08 de Dezembro se comemora o Dia da Justiça


 


Hoje, 08 de Dezembro, é dia da Justiça.

 

A justiça deve ser buscada por todas as pessoas, nas suas relações consigo e com a outra pessoa, porque é com justiça que se vive em paz e sem ela não há paz nem de consciência, nem de espírito, nem social. Do mais simples ato ao mais complexo e, principalmente quando não tiver ninguém olhando, nossas atitudes devem se pautar pelo que é a justiça do caso concreto, e um exercício simples de se fazer para saber se o que estamos fazendo é justo é o exercício de se colocar no lugar da outra pessoa. E esse é o exercício da empatia também, sempre tão necessária e construtiva.

 

Nesse dia 08, então, que nos remete à reflexão da "Justiça", sigamos firmes na atitude corajosa de fazer sempre o que é o justo, que muitas vezes não será o caminho mais fácil, mas será o caminho certo, o lado certo da história, e por isso mesmo sempre valerá a pena.

 

A foto que acompanha esse texto se refere ao movimento popular do qual eu fiz parte como cidadã e como advogada voluntária na defesa de direitos humanos para protestar contra o aumento abusivo e inconstitucional de mais de 100% no IPTU de 2013, proposto pela ex-prefeita Dárcy Vera e aprovado por maioria do Legislativo Municipal da época. Eu estive desse lado da história.

 

Raquel Montero

 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

"Triunfar na vida não é ganhar"

Foto: Reprodução

 


O senador José Alberto Mujica Cordano, ou, simplesmente Pepe Mujica, aos 85 anos renunciou ao cargo de senador do Uruguai, se despedindo no dia 20 de Outubro do parlamento uruguaio com um discurso de nove minutos, com o qual também se despediu da política.

 

Mujica foi presidente do Uruguai entre 2010 e 2015, símbolo do combate à ditadura militar no Uruguai, nasceu em Montevidéu em 1935 e entrou em 1964 no grupo guerrilheiro "Movimento de Libertação Nacional―Tupamaros". A ditadura militar o manteve preso por um total de 15 anos, incluindo um período de 12 anos seguidos que terminou em 1985. Em 1985, com o retorno à democracia, Mujica foi beneficiado por uma anistia geral decretada para pacificar o país. Voltou, então, à política institucional. Foi eleito deputado, senador, foi ministro da Agricultura, presidente do Uruguai e, por fim, novamente eleito senador.

 

Algumas das medidas mais emblemáticas do mandato de Mujica como presidente foi a descriminalização do consumo da maconha, o direito ao aborto e a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A legalização do consumo de maconha foi utilizada como medida de combate ao narcotráfico e de saúde pública. O Uruguai se transformou no primeiro país do mundo a fazer isso. Sobre o direito ao aborto, antes de partir para o procedimento as mulheres deverão passar por acompanhamento médico e psicológico e terão a opção de desistir da decisão a qualquer momento. Sobre o casamento homoafetivo disse Mujica: “O casamento homossexual é mais velho que o mundo. Tivemos Julio Cesar, Alexandre O Grande. Dizer que é moderno, por favor, é mais antigo do que nós todos."

 

Em sua carta de renúncia ao Senado uruguaio  explicou que tomou tal decisão em razão de sua saúde diante da pandemia. O discurso de Mujica encantou o mundo. O motivo do encantamento vem da simplicidade das mensagens que contém o discurso conjugada com a profundidade e sinceridade delas. E simplicidade é uma das características que sempre fizeram parte da descrição que as pessoas fazem sobre a pessoa e o político "Pepe Mujica".

 

Mujica é conhecido como "o presidente mais pobre do mundo", embora ele insista que não se trata de "pobreza", mas, sim, de "sobriedade". Disse Mujica; “Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.”

 

Mujica vive em uma simples, pequena e humilde chácara em Rincón del Cerro, a 20 minutos de Montevideo, tem como veículo um Fusca azul. Ficou conhecido como o presidente mais pobre do mundo por viver com apenas 10% de seu salário e na oportunidade de tomar essa decisão declarou; “as repúblicas não vieram ao mundo para estabelecer novas côrtes, as repúblicas nasceram para dizer que todos somos iguais. E entre os iguais estão os governantes”. Para ele, não somos uns mais iguais que os outros.

 

Em seu discurso de renúncia, esse homem de vida simples e carreira admirável disse: "Eu tenho minha boa quantidade de defeitos. Sou passional. Mas em meu jardim faz décadas que não cultivo o ódio. Porque aprendi uma dura lição que a vida me impôs, que o ódio termina te deixando estúpido, porque nos faz perder objetividade diante das coisas. O ódio é cego como o amor. Mas o amor é criador, o ódio, não, destrói."

 

E disse também; "Quero também transmitir aos jovens. É preciso agradecer pela vida. Triunfar na vida não é ganhar. Triunfar na vida é se levantar e começar de novo cada vez que se cai."

 

Em tempos de tanta violência, nas palavras e nas atitudes, essas frases chegam como vento no moinho, trazendo para cima o que às vezes ficou embaixo. E para quem já aprendeu que melhor do que aprender com erros é aprender observando a vida que nos rodeia, as mensagens de despedida de Mujica são grandes e eloquentes aprendizados. E jovens, para quem Mujica destinou sua mensagem final, são todas as pessoas com espírito livre para estar sempre aprendendo em qualquer idade.

 

Raquel Montero

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Se estava embriagada, é estupro

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 28.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

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Foto: Reprodução

 


A cada 08 (oito) minutos uma pessoa foi estuprada no Brasil em 2019. Foram mais 66.123 casos registrados nas delegacias de todo o país.  Em quase 85,7% deles, as vítimas eram mulheres, o que revela que a violência de gênero ainda é uma realidade sombria e que precisa ser combatida. Os dados são da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

 

Eles foram divulgados em um contexto em que o crime de estupro ganhou força na imprensa com o caso do jogador de futebol Robinho, condenado em 2017 em primeira instância pelo Tribunal de Milão, na Itália, a nove anos de prisão pelo crime de violência sexual em grupo, formado por 06 (seis) pessoas, contra uma jovem albanesa de 23 anos.

 

Diálogos do jogador obtidos através de interceptações telefônicas gravadas com autorização da Justiça italiana foram determinantes para a condenação do jogador Robinho e Ricardo Falco, seu amigo, e foram transcritos na sentença. Os diálogos gravados foram divulgados com autorização judicial, e neles o jogador Robinho e seu amigo Ricardo Falco mostram que tinham consciência que a vítima não estava em condições de dar consentimento, que estava alcoolizada, e demonstram preocupação com a possibilidade de ela registrar uma denúncia. A ver alguns dos diálogos;

 

Falco: Ela se lembra da situação. Ela sabe que todos transaram com ela.

Robinho: O (nome do amigo) tenho certeza que gozou dentro dela.

Falco: Não acredito. Naquele dia ela não conseguia fazer nada, nem mesmo ficar em pé, ela estava realmente fora de si.

Robinho: Sim.

 

Isso é estupro. Praticar ato sexual com alguém que "não conseguia fazer nada, estava fora de si" é estupro.

 

Jairo Chagas, músico que tocou naquela noite no local, teria avisado o jogador Robinho sobre a investigação. O jogador, então, respondeu: "Estou rindo porque não estou nem ai, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu."

 

Isso é estupro. Praticar ato sexual com uma mulher que está bêbada é estupro, porque ela não está com consciência, está em condição de vulnerabilidade e não tem condições de dar consentimento. Está exatamente como disse o amigo do jogador Robinho, "fora de si".

 

Em outra conversa com o músico, o jogador Robinho disse:

Robinho: A Polícia não pode dizer nada, eu direi que estava com você e depois fui para casa.

Jairo: Mas você também transou com a mulher.

Robinho: Não, eu tentei. (nome de amigo 1), (nome de amigo 2), (nome de amigo 3)...

Jairo: Eu te vi quando colocava o pênis na boca dela.

Robinho: Isso não significa transar.

 

 Em interrogatório o jogador negou o abuso mas admitiu ter ocorrido a prática de sexo oral na jovem de 23 anos. Em outras conversas gravadas o jogador disse que os outros cinco amigos tiveram relação sexual com a vítima e que ele tentou ter, e que recebeu sexo oral da vitima e que isso não significa transar. O abuso foi praticado por 06 pessoas, incluindo o jogador Robinho.

 

O caso ganhou repercussão internacional, e aqui no Brasil causou muita indignação contra o jogador. Tamanha repercussão contra o jogador, promovida pela indignação das pessoas nas redes sociais e pelos patrocinadores do time que cobraram uma posição do Clube de Futebol Santos, que chegaram a ameaçar de tirar a verba de patrocínio acaso o time não fizesse nada, fez o Santos suspender o contrato que havia feito com o jogador.

 

Depois da repercussão o jogador Robinho concedeu uma entrevista onde ele falou pela primeira vez do caso. Ele negou novamente que tenha ocorrido o crime porque não houve penetração da parte dele, que sexo oral não é sexo, que o que aconteceu lá foi de forma consentida e que o único erro que ele cometeu foi de ter traído sua esposa. E durante a entrevista ele disse também que “Infelizmente, existe esse movimento feminista. Muitas mulheres às vezes não são nem mulheres, para falar o português claro (…)".

 

As declarações do jogador Robinho são tão revoltantes e deploráveis quanto a prática de um estupro coletivo contra uma jovem de 23 anos que está alcoolizada, sem consciência, portanto. Felizmente existe esse movimento feminista no Brasil, que combate estupros coletivos.

 

Raquel Montero

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Entrevista para a Revide sobre desigualdades de participação entre homens e mulheres nas eleições

     Na edição desta semana da Revista Revide fui entrevistada para comentar sobre matéria que trata da desigualdade de participação entre homens e mulheres em mais uma eleição. O número dessa desigualdade é enorme; de 11 candidaturas à prefeitura de Ribeirão, apenas duas são de mulheres, e de 568 candidaturas à vereança, apenas 181 são de mulheres. E isso acontece apesar das mulheres serem a maioria na população de Ribeirão.












terça-feira, 13 de outubro de 2020

Em 16 anos a estatal Correios foi melhor que empresas privadas

 

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 21.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

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O Presidente da República, Jair Bolsonaro, (sem partido), defende em seu governo a privatização de serviços e empresas, e utiliza como fundamentos das privatizações que quer fazer o lucro que a venda das empresas estatais traria e o melhor funcionamento dos serviços sob gestão privada. E como projeto mais recente de privatização defendida por Bolsonaro está a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

 

Mas a privatização leva mesmo a esses resultados? Qual serviço público privatizado melhorou ao ser privatizado? O modelo estatal não está, de forma generalizada, levando à esses resultados satisfatórios? Se há problemas na empresa estatal, assim como existem aos montes nas empresas privadas, o certo a ser feito é resolver o problema ou descartar a empresa junto com o problema? Eliminar o patrimônio público em razão da má administração dos gestores equivaleria a "culpar" o patrimônio pela má administração feita pela pessoa que o administrou, quando, ao revés, se deveria culpar ou responsabilizar a pessoa que o administrou. 

 

Com relação ao argumento do "lucro" ele é errado. Empresa estatal não tem que dar lucro, ela tem que cumprir sua função constitucional, cumprir bem e sem causar prejuízo. Mesmo assim, sem ter que dar lucro, estatais brasileiras vêm dando lucro, e de forma progressiva como se pode constatar com a Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

 

Com relação ao outro argumento utilizado por Bolsonaro para a defesa da privatização, de que o serviço é melhor prestado sob gestão privada do que sob a gestão pública, há experiências concretas que contestam esse argumentos, dentre elas, as telecomunicações e a própria ECT, que Bolsonaro quer vender.

 

 Os registros das reclamações e denúncias apresentadas por consumidoras e consumidores nos Procons de todo o Brasil contra empresas nos últimos 16 (dezesseis) anos, 2004 à 2019,, e consolidadas no banco de dados oficial e nacional do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC), da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, demonstra que empresas de telecomunicações, após a privatização das telecomunicações, constaram por 15 (quinze), dos últimos 16 (dezesseis) anos, como primeiro lugar nas listas anuais, de 2004 à 2019, das 100 empresas mais reclamadas do Brasil, e no mesmo período constou entre o primeiro, segundo e terceiro lugar de assunto mais reclamado e área mais reclamada do Brasil. E isso tudo após a privatização das telecomunicações ocorridas em 1998 sob o governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB.

 

Com base nessa análise se constata que a privatização das telecomunicações, que substituiu o modelo estatal de prestação desse serviço e que veio como uma promessa de qualidade no serviço, não garantiu a qualidade dos serviços prestados, e o fundamento sob o qual ela ocorreu, por estes resultados, não se sustentaram, do contrário, não teríamos esses resultados, e de maneira consecutiva, reincidente e por parte de várias empresas privadas.

 

Já a ECT, que é uma empresa pública federal que atende todo o território nacional e o exterior, considerando a essencialidade do serviço dos correios, a prestação do serviço em regime de monopólio e comparada a ECT com empresas privadas que atendem menos quantidade de consumidoras e consumidores e que constam dentre as 10 (dez) empresas mais reclamadas nas 16 listas anuais analisadas, sendo essas, o Banco Bradesco que tem 28,3 milhões de clientes, o Banco Santander que tem 25,5 milhões de clientes, o Banco Citibank (até antes da venda de seu varejo de clientes pessoas físicas em 2016) que tinha 315 mil clientes, a ECT, comparadas com essas empresas privadas,  nunca constou entre as dez empresas mais reclamadas, já essas empresas privadas, sim, a ECT nunca constou como serviço mais reclamado dentre os 24 (vinte e quatro) serviços mais reclamados, já os serviços prestados por essas empresas privadas, sim, a ECT não constou em 02 listas anuais (2007 e 2008), já essas empresas privadas constaram em todas as listas anuais nos últimos 16 anos analisados.

 

Essa comparação da ECT com as empresas privadas mencionadas permite constatar melhor desempenho da empresa estatal em comparação com empresas privadas, e assim, a melhor prestação do serviço sob a gestão pública do que sob a gestão privada tendo como comparação a quantidade de pessoas atendidas. Mais um fato concreto,  portanto, que contesta o argumento de Bolsonaro.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Bater em criança e adolescente é covardia e violência



Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 08.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

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Costumamos falar e ouvir muito sobre críticas à violência, sobre falta de respeito, agressividade. Contraditoriamente, é comum vermos e ouvirmos, também, pais e mães dizerem às suas próprias filhas, ou, aos seus próprios filhos: "se fizer isso eu vou te bater", ou, "se fizer aquilo você vai apanhar".

 

Um pai, uma mãe, ameaçar de bater em sua própria filha, ou, em seu próprio filho, ou, efetivamente bater, é a pior violência que pode existir, é a maior das covardias que um ser humano pode praticar. Aquela pessoa que deveria ensinar a dialogar, a amar e a não causar dor a ninguém, passa a fazer o contrário, pratica violência contra uma pessoa de menos força e que está totalmente dependente de seu cuidado e educação, que está sob sua responsabilidade para ser criada e educada para a vida.

 

Pode-se chamar de "educação" e de "cuidado" algo que se baseia em "bater" na outra pessoa? A que caminho poderá levar tal método baseado em bater ou agredir verbalmente senão ao caminho de mais violência, já que a mensagem que fica com tal método é o de que é com violência que se resolvem os conflitos, e não com diálogo, respeito e amor?

 

Quando se usa de violência física ou verbal contra a outra pessoa, não é educação e nem amor, é violência, descontrole, despreparo e ausência de argumentos para dialogar. Não é amor um beliscão, um tapa na cara, uma palmada, um grito, uma cintada, uma humilhação, uma ofensa, um aperto em alguma parte do corpo.

 

Usar de violência é sempre errado, e a situação fica ainda pior quando há desigualdade de forças entre as pessoas. Quando uma pessoa maior e mais forte bate em outra menor e menos forte, é covardia. Quando um adulto bate em uma criança ou em um adolescente, é a maior das covardias. Quando uma mãe ou um pai bate em sua própria filha ou em seu próprio filho, é a pior forma de violência porque é praticada por quem deveria estar dando e ensinando amor, e não violência. 

 

Quando o funcionário faz algo errado ou de que não gostou o seu chefe, o funcionário não pode levar um tapa na cara ou uma cintada do chefe. Quando em um casal a companheira fez algo de que não gostou seu companheiro, o companheiro não pode lhe dar beliscões ou palmadas. Por que, então, uma mãe ou um pai acham que podem bater em sua filha ou em seu filho quando ela/ele fazem algo que o pai e a mãe não gostaram? Se o adulto pode errar na vida ou fazer algo de que discordou a outra pessoa, seja em seu trabalho, seja em seus relacionamentos, e isso não pode levar o adulto a apanhar da outra pessoa ou receber uma ameaça de que "se fizer isso você vai apanhar", por que o mesmo adulto, pai ou mãe, acham que a criança e o adolescente, que são pessoas em formação e desenvolvimento, podem apanhar quando fazem algo errado ou de que discordou sua mãe ou seu pai?

 

Além de ser o óbvio que não se pode bater em ninguém, principalmente quando esse alguém é uma criança e um adolescente, e cogitando-se que, infelizmente, há quem, por ignorância, despreparo e covardia, ainda, queira resolver conflitos mediante violência, o assunto também foi contemplado na lei, de maneira a ficar expressamente proibido bater em crianças e adolescentes.

 

A Constituição Federal (CF) estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado, ou seja, de todas as pessoas da sociedade, proteger as crianças e adolescentes, de quem quer que sejam filhas e filhos essas crianças e adolescentes, zelando por seus direitos e sua integridade física e salvando-as de qualquer violência a que se tenha conhecimento que possa estar acontecendo contra elas, inclusive, agindo de maneira a prevenir violência e ameaça a direitos contra qualquer criança e adolescente.

 

Dentre as condutas proibidas para o pai e para a mãe contra filha/filho, conforme estabelece o artigo 1638 do Código Civil, estão as de castigar imoderadamente sua/seu filha/filho, deixar em abandono e praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a criança e o adolescente devem ser educados e criados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, onde quer que estejam e sob a responsabilidade de quem quer que estejam. O ECA esclarece que castigo físico consiste no uso da força física, e a pessoa que se utilizar de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante contra criança e adolescente será responsabilizada cível e criminalmente, de acordo com o Código Penal, com o rol dos crimes previstos nos artigos 228 à 244-B do ECA, e o rol de infrações administrativas previstas nos artigos 245 à 258-C do ECA, e além dessas sanções, serão aplicadas as seguintes medidas à pessoa responsável: encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;  encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; encaminhamento a cursos ou programas de orientação; obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; advertência. 

 

Portanto, é errado, a lei proibe e todas as pessoas da sociedade têm o dever de impedir e denunciar violência física ou verbal que tenham conhecimento de que esteja ocorrendo contra crianças e adolescentes.

 

Raquel Montero  

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A PM tem que ser fiscalizada, também, por cada cidadã e cidadão


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 30.09.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:




Imagem: Reprodução

 


A Polícia Militar (PM) é uma instituição que tem o dever constitucional de impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, conforme artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, ao lidar com situações de conflito a PM vem demonstrando que muitas vezes só consegue provocar mais violência. Quem não ouviu ou viu sobre Amarildo, Agatha Félix, Luana Barbosa a festa de jovens em Paraisópolis, o fotógrafo baleado no olho? Isso só para ficar nesses cinco exemplos que tiveram repercussão internacional. Além desses casos existem os que não chegaram até a imprensa, os que não são denunciados pela vítima, os que não saem da esfera da corporação da PM.

 

Essas ações truculentas e monstruosas por parte de policiais militares seriam as consequências de um câncer que existe na instituição "PM", e o câncer, por sua vez, tem a sua causa. Essa causa é a origem de tudo, e como tal, tem que ser aprofundada e debatida no sentido de buscar a sua cura. A origem é a própria estrutura da PM, sua ideologia e sua concepção de função na sociedade. E foi sobre isso que nasceu o debate da desmilitarização da PM. Mas esse assunto não é o tema da presente reflexão. Esse assunto merece um aprofundamento exclusivo a ele.

 

 Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), em 2019, foram 848 denúncias contra policiais do Estado de São Paulo, abrangendo os policiais civis e militares, sendo que 714 delas foram contra policiais militares. Em 2018, foram 709 denúncias. Essas denúncias resultaram, só em 2019, em 510 policiais presos, demitidos ou expulsos das instituições. Já a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo registrou 1.115 denúncias contra policiais entre Janeiro e Julho de 2019. Essas denúncias são as que foram formalizadas, ou seja, há que se cogitar, ainda, sobre casos que podem não ter sido denunciados por receio e medo da vítima.

 

Se a função institucional e constitucional da PM é impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, a PM cumpre com sua função quando age com violência ou quando resulta violência de suas ações? Não, não cumpre. E agindo assim a quem serve e para que serve a PM? A segurança de quem a PM está fazendo agindo assim?

 

 Pode-se pensar; "mas a PM não age com violência, age no cumprimento do dever e dessa atuação pode resultar feridos". Não é cumprimento do dever quando alguém sai de uma ação policial ferido, ofendido ou morto. A PM não está autorizada a provocar esses resultados, isso não está dentro de seu dever institucional e constitucional. Quando esses resultados ocorrem é porque a PM agiu errado, miseravelmente errado, e descumpriu sua função.

 

Diante desse quadro miserável, para além da fiscalização feita pelos órgãos públicos competentes da Secretaria de Segurança Pública, da Ouvidoria da Polícia, da Corregedoria da Polícia, do Disque 100, do Ministério Público, das/dos parlamentares, e do julgamento do Poder Judiciário, nós, cidadãs e cidadãos, também temos que fiscalizar a PM e suas/seus policias militares, onde quer que estejam. É direito das pessoas fazer essa fiscalização, e, também, é dever.

 

É muito comum quando se passa perto de policiais militares nas ruas as pessoas passarem longe, abaixarem a cabeça, não encarar as/os policiais. Está errado. Temos o direito e o dever de olhar, encarar o que está sendo feito, fiscalizar o trabalho e a atuação das/dos policiais diante de suas abordagens e intervenções.

 

Policiais militares são agentes públicos/públicas que têm a função de servir ao interesse público e ao povo, devem respeito e satisfação à comunidade, às cidadãs e aos cidadãos, que são a razão de ser da existência de seu trabalho, que remuneram seus salários e que são os destinatários de suas ações.

 

E além de exercemos um direito e um dever ao fiscalizar o trabalho da PM, com essa atitude ainda estaremos contribuindo para tentar impedir e evitar abusos e arbitrariedades na ação policial, e, também, sendo solidários à outra pessoa, que está passando por uma abordagem policial. Hoje é com aquela pessoa, amanhã pode ser com nós mesmos. E se a/o policial militar estiver agindo corretamente não terá porque temer a ação fiscalizadora da cidadã e do cidadão, ao revés, se temer, é porque está fazendo algo errado, e ai, já devemos denunciar e pedir ajuda. Com fiscalização e participação popular o serviço público funciona melhor em qualquer lugar do mundo.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP