Raquel Montero

Raquel Montero

domingo, 16 de setembro de 2012

A terra não pode valer mais que a pessoa


                                    Foto tirada no Parque Raya, em Ribeirão Preto

A população cresce cada vez mais, e junto com esse crescimento, crescem as cidades, isso tudo, observa-se, num ritmo rápido e agressivo.
Paralelamente à todo esse aumento, vêm situações novas, que, concomitantemente criam problemas e soluções.
Os problemas não são nada quando procuramos, de fato, resolvê-los. Na reflexão sobre o que podemos fazer sempre encontramos possibilidades.
Nesse contexto quero falar sobre moradia digna para todos.
Para muitos o crescimento das cidades trouxe solução para a moradia, que, na sua falta, antes era um problema. Para muitos outros, que são bem mais que os anteriores, que têm moradia, o crescimento das cidades trouxe o problema da falta de moradia.
No fim da década de 70 a cidade de São Paulo não contava com mais de 5% da sua população moradora em favelas. Já na década de 80, esse número foi para 20%.
Em Ribeirão Preto o déficit habitacional é de 30 mil casas. Em 2010 havia 44 núcleos de favelas, dos quais 4% da população de Ribeirão residia.
A zona norte de Ribeirão possui a maior concentração de favelas, com 27 núcleos, onde moram 19.000 pessoas, ocupando uma área total de 713.950m². Nesta região encontra-se, dentre outras, as favelas Itápolis, Favela da Mata, Adamantina, Favela do Brejo, Favela da Família.
Essa região da cidade começou a ser ocupada por favelas a partir de 1.950. Em 1.980, começou o desfavelamento da área.
Algumas famílias instaladas nas favelas Itapólis, Adamantina e da Mata, foram levadas para casas financiadas por programas sociais dos governos, federal e estadual, as demais famílias das mesmas favelas foram expulsas com força policial.
A expulsão mais estarrecedora que tivemos ocorreu em 05/07/2011, na Favela da Família, conforme relatei neste blog (http://raquelbencsikmontero.blogspot.com.br/2012/01/retorno-favela-familias-expulsas-de.html)
Nessa expulsão houve ofensa de várias formas aos direitos das pessoas que lá moravam. E tudo isso sob o conhecimento e beneplácito do juiz local, Júlio Cesar Spoladori Domingues, que inclusive concedeu liminar para a desocupação, e não quis ouvir a Defensoria Pública e o Ministério Público, antes da famigerada ação.
E nesse caso, como em todos as demais desocupações forçadas, o Poder Público também tem responsabilidade pelos fatos, contribuindo para o surgimento do problema, e para as consequências dele.
Por diversas maneiras o Poder Público contribui para a criação do problema referente ao déficit habitacional e formação de favelas. Entre algumas das contribuições cito: a desigualdade de investimento para o pequeno produtor rural em contraste com os grandes empresários, fazendo com que o pequeno produtor não consiga competir com o grande empresário e assim abandonem o campo para virem para as cidades em busca de outras fontes de renda; escassez de investimentos em infraestrutura urbana; escassez de investimentos em educação; subsídio para construções empresariais de casas que faz co que a especulação imobiliária aumente abusivamente o valor dos imóveis e dos aluguéis e ocupem os espaços urbanos que tiram o lugar para moradias populares que poderiam ser construídas com financiamento de programas de sociais; desapropriações que focalizam só o interesse particular e deixam relegados o interesse da população; ausência de taxação progressiva para imóveis desocupados; inobservância das leis que disciplinam de maneira salutar o uso da terra e dos vazios urbanos, como é o caso do Estatuto da Cidade; má legislação do Plano Diretor da Cidade que, por vezes, legislam atendendo a interesses individuais e não ao interesse público, bem como são alterados ao livre alvedrio do administrador público, sem levar em consideração a opinião pública.
Nessa coletânea de maus comportamentos, e os gestores públicos de Ribeirão já incidiram em vários destes, como no próprio Plano Diretor da cidade, que neste momento está sub judice, para averiguação de condutas lesivas à cidade, que, notoriamente propiciarão mais favelas e outros entraves urbanos, temos uma profunda dívida social que necessita urgentemente ser paga.
 Enquanto empresários conseguem altos financiamentos para construírem edifícios luxuosos nos melhores lugares da cidade, pessoas de ínfima renda ou de nenhuma renda, não têm casa, ou moram em barracos que agridem os seus mais elementares direitos constitucionais, ou ainda, têm casa proveniente de programas sociais que também ofendem seus elementares direitos, na medida em que são construídas em lugares distantes de infraestrutura, que não contemplam escolas, postos de saúde, unidades de saúde para casos emergenciais, transporte público, empregos, lazer, cultura e esporte.
Outrossim, moradias de programas governamentais são entregues aos compromissários compradores, que pagam por essas casas, sendo que nenhuma delas lhes é dada, mas sim vendida, sem acessibilidade para deficientes físicos, ou seja, se o morador é ou se tornar cadeirante, não poderá circular dentro de sua própria casa, porque a cadeira de rodas não passará pelas extremidades das portas.
Assim ocorre em Ribeirão, com os conjuntos habitacionais Paulo Gomes Romeu e Wilson Toni. Moradias construídas em lugar totalmente distante do centro da cidade e de tudo que a maior parte da cidade já possui, isto é, escolas de ensino básico, fundamental e médio, postos de saúde e unidades de saúde para emergência, linhas de ônibus, locais de trabalho, lazer, cultura, esporte e desprovidas de acessibilidade para deficientes físicos, inclusive, cadeirantes, como denunciaram vários moradores.
E isso tudo não é por falta de dinheiro, porque a construção foi feita, mas é em razão da má gestão ou falta de gestão do nosso Executivo Municipal, que por intermédio do Chefe do Executivo, permitiu que ocorresse.
Se tendo uma escola perto já é difícil de fazer com que a criança estude, seja porque amiúde não há vagas para todas, seja porque condições financeiras obstam mantê-la na escola, imaginem fazer com que uma criança estude tendo que, para isso, utilizar dois ou mais ônibus para chegar à escola, ou os pais dessa criança terem que pagar uma babá para levar a criança à escola porque não dá tempo de a mãe levar a criança para a escola e ainda ter que se utilizar, agora a mãe, de mais dois ônibus para chegar em seu local de trabalho, já que onde mora, não há empregos porque não há nada lá além de sua moradia. Difícil né?!
E mais incrível de se imaginar é que a vida dessas pessoas, que foram morar nesses conjuntos habitacionais ficou mais difícil do que antes, quando moravam nas favelas, eis que, nas favelas, apesar de morarem em barracos, elas tinham tudo perto (escolas, posto de saúde, etc), agora, nessas moradias, elas só tem a moradia, e ainda assim, parcialmente, porque falta acessibilidade e já houve denúncias de problemas estruturais na construção das casas que comprometem a existência da própria casa, então, talvez nem moradias elas tenham mais.
E olha para Ribeirão; cidade rica, com um dos quarenta maiores orçamentos públicos do Brasil, com enorme potencial econômico, que proporciona Stock Car e Carnabeirão. Eventos que ficam ridículos diante da pobreza em que muitos ainda sobrevivem dentro da cidade.
E pensar que o déficit habitacional pode ser facilmente resolvido, com a inversão de prioridades na política pública atual, fazendo com que a especulação imobiliária seja rebaixada e elevado o direito a moradia digna e o respeito a todos os demais direitos sociais a que faz jus cada pessoa. Isso seria não só uma política inteligente, mas também a aplicação dos postulados constitucionais previstos em nossa lei maior, incluídos ai, a função social da terra.
Hoje estima-se que 40% do déficit habitacional poderia ser resolvido pela ocupação de imóveis vazios. No sul e sudeste, diversas cidades têm mais imóveis vazios do que falta de moradias. Olha a violência da especulação imobiliária. É uma lógica atroz, uma subversão de valores que também patrocina o caos e que tem que ser corrigida.  
A terra não pode valer mais que as pessoas que a ocupam.
Raquel Bencsik Montero

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