O Superior Tribunal de
Justiça (STJ), em julgamento apertado, que se deu por um voto de minerva,
julgou esta semana que apenas o bafômetro e o exame de sangue podem comprovar a
embriaguez no volante para efeito da caracterização do crime previsto no artigo
306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Então, demais provas,
tais como testemunhas, não servem para comprovar a embriaguez no volante e
assim, o crime.
Embora essa decisão do
STJ não decida definitivamente o assunto, podendo ainda ser analisado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) e ter julgamentos diferentes em outras instâncias e
tribunais, tendo em vista que não é uma decisão que vincula os demais órgãos
julgadores do Poder Judiciário, é uma decisão que marcou uma posição do STJ e
julgou vários processos que, se tratando da mesma matéria foram unidos para
serem julgados de uma só vez.
Para justificar sua
decisão o STJ se manifestou explicando que o crime de embriaguez no volante,
definido pelo art. 306 do CTB, traz elementos objetivos que não deixam lacuna ou
margem para vários entendimentos, ou seja, a redação do art. 306 caracteriza
como crime conduzir veículo automotor estando com concentração de álcool por
litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de
qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
Na íntegra, preleciona
o art. 306 do CTB; “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de
álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a
influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – detenção, de seis meses a
três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único – O Poder
Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de
alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Dessa forma, para a
caracterização do crime de embriaguez no volante é necessário que se demonstre
a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas
ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência.
E para que se demonstre
essa concentração de álcool é necessária a utilização de métodos que possam
atestar com exatidão essa concentração exigida pela redação do art. 306 e os
métodos hoje existentes para essa averiguação são o bafômetro e o exame de
sangue, testemunhas, por sua vez, não darão essa precisão que exige a lei.
Muito bem, a questão
estaria resolvida se não tivessem levantado a tese de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Tendo por base essa
tese, o condutor de veículo que for flagrado dirigindo, aparentemente, sob a
influência de álcool ou outras drogas, pode se furtar de fazer o teste do
bafômetro e o exame de sangue porque estes testes podem afirmar a concentração
de álcool e de outras drogas no sangue do condutor e, assim, provar contra o
condutor do veículo e o condutor do veículo, segundo a tese acima mencionada,
não pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo.
Diante dessa alegação
os condutores já se resguardaram, se negando a fazer os aludidos testes quando
surpreendidos em fiscalizações, e os mais “preparados” fazendo habeas corpus preventivo na hipótese de
serem constrangidos pela autoridade pública a fazerem qualquer dos testes.
Com isso alguém tem
dúvida de que a lei se tornou inútil?
Pois é, e o julgamento
do STJ só veio a corroborar essa inutilidade.
Certo julgou o STJ
porque a lei realmente é objetiva, diz exatamente o que tem que ser analisado
para que se caracterize o crime de embriaguez no volante, condições sem as
quais, o crime não se caracteriza. Não há lacunas ou margem a dúbias
interpretações. Há coerência com o Direito Penal brasileiro que diz que o crime
só se configura quando preenchidos todos os elementos de sua descrição legal.
Então sem os testes
aludidos, não há comprovação da concentração de álcool ou de outras drogas no
sangue e assim, falta um dos elementos para a caracterização do crime do art.
306 e, por conseguinte, o condutor não pode ser condenado.
Volta a reinar a
impunidade.
Questão tormentosa?
Se por um lado existe na
Constituição Federal o inciso LXIII do art. 5º prescrevendo que o preso tem o direito
a ficar calado, onde se abstrai o princípio jurídico de que ninguém pode ser
obrigado a produzir prova contra si mesmo, em sentido oposto existe em lei
federal, o Código de Processo Civil brasileiro, dispositivo dizendo que é dever
das partes que estão participando do processo dizer a verdade, agir de boa-fé,
agir com lealdade, sob pena de pagar indenização à outra parte do processo
(artigos 16, 17 e 18).
Então temos, em uma
situação, o direito a ficar calado, e o dever, em outra situação, de dizer a
verdade.
O direito
constitucional de o preso poder ficar calado diante uma acusação nasceu das
experiências vividas durantes ditaduras e regimes absolutos de governos
ocorridos em várias partes do mundo.
Nessas experiências
foram usados meios tortuosos para obter provas contra o acusado e muitas vezes
a própria prova obtida, tal como a confissão, era falsa, eis que o acusado era
torturado para dizer ou confessar algo que não era verdadeiro, mas que, sob
tortura ele era obrigado a dizer que era verdade.
Então a confissão do
acusado realmente pode ser idônea, mas se foi obtida mediante tortura ela perde
a legitimidade porque a tortura é abominável, não pode ser praticada em
hipótese alguma. As provas devem ser obtidas por meios que respeitem a
dignidade, senão o que teremos é justificativa para violências e violência em
hipótese alguma deve ser aceita.
E, ao mesmo tempo, a
confissão pode ser falsa, tendo em vista a possibilidade de o acusado ter sido
torturado para dizer algo.
Daí vem a idéia de o
preso ter o direito de ficar calado e a previsão em nosso próprio Código de
Processo Penal de que a confissão do acusado deve analisada em conjunto com o
contexto dos fatos e ela não basta ou determina nada, eis que, justamente, o
acusado pode ter sido torturado, como muitas vezes ocorreu em experiências
passadas (e infelizmente ocorre até hoje, mas hoje sob o manto da
clandestinidade), para fazer a confissão que está sendo utilizada no processo.
Mas, no entanto, se por
um lado o direito constitucional de ficar calado diante de uma acusação é
poderosa arma para tentar impedir ações ilegais por parte das autoridades
públicas, por outro ele dificulta e frequentemente inviabiliza a condenação, já
que sem determinadas provas, como é o caso do bafômetro e do exame de sangue,
não há como condenar o acusado no contexto atual.
Eis o problema com que
nos deparamos.
E ai surgem algumas
ideais como é o caso de uma iniciativa popular de lei, disponível no site da
empresa jornalística Bandeirantes (http://naofoiacidente.org/site/assine/
) onde se estabelece dentre outras propostas que a caracterização do crime de
embriaguez no volante se dá com qualquer
quantidade de álcool ou demais drogas no sangue do condutor do veículo e que o
exame de sangue e o bafômetro devem ser feitos independentemente da vontade do
condutor do veículo.
Mas penso que a
proposta da obrigatoriedade dos testes para auferir a existência de drogas no
sangue do condutor continuará esbarrando no princípio de que ninguém pode ser
obrigada a produzir prova contra si mesmo, pelas razões já expostas acima, e
com isso, o problema persistirá.
Contudo, a questão
estaria facilmente resolvida se as pessoas agissem com bom senso, ou seja, se a
pessoa fica mal quando bebe bebidas alcoólicas e depois terá que dirigir, não
beba. Se o problema na combinação em beber e dirigir está em beber muito, beba
o pouco suficiente para não ter problemas.
Não existe bom senso no
sujeito gago de tão bêbado querer dirigir veículo automotor e achar que não tem
perigo nenhum nisso.
Bom senso é o que nos
remete a pensar se o que estamos fazendo ou iremos fazer é certo ou errado
dentro de uma concepção que também nos coloque no lugar do próximo.
As palavras aqui
expostas tentam um convite ao debate, com o objetivo de pacificar essa situação do trânsito, que tanto prejuízo e tristeza vem causando, notadamente, no Brasil, e nesse
sentido foi que também assinei a proposta de iniciativa popular aludida acima,
isto é, para fazer com que a questão volte à discussão no Congresso Nacional e
assim, que encontremos a melhor saída.
Raquel Bencsik Montero
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