Raquel Montero

Raquel Montero

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Apesar de você


Eu realmente acredito que foram os olhos cegos da prepotência e o embotamento da percepção que provocaram as atitudes desmedidas na Câmara de Vereadores de Piracicaba.
Após, sob sapiência do tempo, senhor da razão, e diante da indignação popular, os vereadores, autores e partícipes do mandos e desmandos praticados na última sessão da Câmara de Piracicaba, arrependeram-se do que fizeram.
Quando não pensamos voluntariamente, refletimos obrigatoriamente na ação do tempo. E verificamos que o tempo, em questão de menos de uma semana, foi implacável na reflexão e repercussão do ato que redundou na expulsão de dois cidadãos da Câmara de Piracicaba.
Toda repercussão, ágil e eficaz das mídias atuais, principalmente da internet e redes sociais, não deixaram que o fato se perdesse em meio ao bombardeio de informações cotidianas. Acrescenta-se à isso a indignação que o caso aflorou nas pessoas, misturada essa indignação com sentimentos de tristeza e decepção. Passamos a ter um caldeirão de efervescência protestante que aqueceu ainda mais a movimentação social que já ocorre em Piracicaba com o "Reaja Piracicaba", movimento de autoria popular que surgiu com o aumento de 66% no subsídio dos vereadores e desde então vem dado bons exemplos de cidadania.
Agora o Presidente da Câmara de Piracicaba, autor da ordem de expulsão injustificada dos cidadãos e munícipes que dentro do Plenário da Casa estavam, um por não querer se levantar durante a leitura da Bíblia e outro por estar tirando fotos e filmando a sessão, tenta reverter o estrago dizendo que os cidadãos foram retirados não por essas razões, mas por estarem tumultuando dentro do Plenário.
Tentativa vã. Há duas gravações, uma do Portal "G1" e outra do cidadão que estava filmando e foi retirado da Casa, comprovando que ambos estavam presentes respeitosamente (http://youtu.be/LjOqATr620c      http://youtu.be/IqspjZLqh1Q).
Se um dia essas discriminações puderam ocorrer à sombra da lei e da opinião pública, não podemos dizer o mesmo desde 1.988, quando aquiescemos em nossa Constituição Federal e lá acordamos pela liberdade de religião e expressão, elevando esses aspectos de nossas vidas à qualidade de direitos fundamentais os quais devem ser respeitados em toda situação e em qualquer lugar do Brasil.
Para garantia desses direitos há ações judiciais e punições legais. E mais, deve haver a consciência em cada um e dos órgãos públicos de que esses direitos existem e devem ser observados para a própria existência legítima de nosso País. E o desrespeito à esses direitos será o desrespeito à todos, à lei, à Constituição Federal, e esse desrespeito redundará na correção do ato e punição do infrator.
O direito à livre escolha de religião ou de não ter religião, é mais que um direito legal, é um direito sagrado que vem junto com a história da humanidade e revelou-se ser um direito íntimo de cada um e de todos que prescinde de reconhecimento legal e oficial para ser exercido, eis que mais ontologicamente pode ser sentido quanto mais silencioso e reservado for praticado. Longe de especulações ou imposições, oficialidade e legalidade, e bem perto da comunhão espiritual que liga o ser ao seu divino, dentro de seus pensamentos e sentimentos mais recônditos, dentro do reino divino que habita o coração de cada um, e faz efetivamente com que a religião seja praticada, no exato sentido etimológico dessa palavra.
Fazendo valer essas premissas, a Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de sua subseção de Piracicaba divulgou nota pública de repúdio às discriminações que ocorreram na Câmara de Piracicaba e o Ministério Público de São Paulo (MPSP) em sua regional de Piracicaba instaurou inquérito civil para apurar o caso diante de seis representações que noticiaram ao MPSP o que aconteceu. Veja notícias abaixo.
Incontestável que o fato é deplorável, mas toda a indignação popular, o lamento das pessoas, a repercussão social e a rápida atuação dos órgãos oficiais de fiscalização e defesa de direitos, adoça o gosto amargo das arbitrariedades cometidas, provocando reações químicas que mais contribuíram do que prejudicaram. É só analisar nesses momentos como a solidariedade e união aumentam e como o assunto é discutido com intensidade que de outra forma não se teria tão rápido nas mesmas circunstâncias.
Depois disso tudo penso que na Câmara de Piracicaba não será mais determinado que as pessoas se levantem para a leitura da Bíblia, respeitando-se a vontade de cada um. Mais ainda restará fazer com que a Bíblia não seja lida, para o respeito e efetivo Estado laico, e fotos e filmagens não sejam cerceadas, entre outras providências imprescindíveis.
Às vezes é mediante grandes e graves equívocos, que refletem perversas arbitrariedades, que nascem as revoluções que provocam a bonança. É como disse Chico "apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia? Como vai proibir quando o galo insistir em cantar? Água nova brotando e a gente se amando sem parar..."
Raquel Bencsik Montero



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