Eu realmente acredito que foram os olhos cegos da prepotência e o
embotamento da percepção que provocaram as atitudes desmedidas na Câmara de
Vereadores de Piracicaba.
Após, sob sapiência do tempo, senhor da razão, e diante da indignação
popular, os vereadores, autores e partícipes do mandos e desmandos praticados
na última sessão da Câmara de Piracicaba, arrependeram-se do que fizeram.
Quando não pensamos voluntariamente, refletimos obrigatoriamente na
ação do tempo. E verificamos que o tempo, em questão de menos de uma semana,
foi implacável na reflexão e repercussão do ato que redundou na expulsão de
dois cidadãos da Câmara de Piracicaba.
Toda repercussão, ágil e eficaz das mídias atuais, principalmente da
internet e redes sociais, não deixaram que o fato se perdesse em meio ao
bombardeio de informações cotidianas. Acrescenta-se à isso a indignação que o
caso aflorou nas pessoas, misturada essa indignação com sentimentos de tristeza
e decepção. Passamos a ter um caldeirão de efervescência protestante que aqueceu
ainda mais a movimentação social que já ocorre em Piracicaba com o "Reaja
Piracicaba", movimento de autoria popular que surgiu com o aumento de 66%
no subsídio dos vereadores e desde então vem dado bons exemplos de cidadania.
Agora o Presidente da Câmara de Piracicaba, autor da ordem de expulsão
injustificada dos cidadãos e munícipes que dentro do Plenário da Casa estavam,
um por não querer se levantar durante a leitura da Bíblia e outro por estar
tirando fotos e filmando a sessão, tenta reverter o estrago dizendo que os
cidadãos foram retirados não por essas razões, mas por estarem tumultuando
dentro do Plenário.
Tentativa vã. Há duas gravações, uma do Portal "G1" e outra
do cidadão que estava filmando e foi retirado da Casa, comprovando que ambos estavam
presentes respeitosamente (http://youtu.be/LjOqATr620c http://youtu.be/IqspjZLqh1Q).
Se um dia essas discriminações puderam ocorrer à sombra da lei e da
opinião pública, não podemos dizer o mesmo desde 1.988, quando aquiescemos em nossa Constituição
Federal e lá acordamos pela liberdade de religião e
expressão, elevando esses aspectos de nossas vidas à qualidade de direitos
fundamentais os quais devem ser respeitados em toda situação e em qualquer
lugar do Brasil.
Para garantia desses direitos há ações judiciais e punições legais. E
mais, deve haver a consciência em cada um e dos órgãos públicos de que esses
direitos existem e devem ser observados para a própria existência legítima de
nosso País. E o desrespeito à esses direitos será o desrespeito à todos, à lei,
à Constituição Federal, e esse desrespeito redundará na correção do ato e
punição do infrator.
O direito à livre escolha de religião ou de não ter religião, é mais
que um direito legal, é um direito sagrado que vem junto com a história da
humanidade e revelou-se ser um direito íntimo de cada um e de todos que
prescinde de reconhecimento legal e oficial para ser exercido, eis que mais
ontologicamente pode ser sentido quanto mais silencioso e reservado for
praticado. Longe de especulações ou imposições, oficialidade e legalidade, e
bem perto da comunhão espiritual que liga o ser ao seu divino, dentro de seus
pensamentos e sentimentos mais recônditos, dentro do reino divino que habita o
coração de cada um, e faz efetivamente com que a religião seja praticada, no
exato sentido etimológico dessa palavra.
Fazendo valer essas premissas, a Ordem dos Advogados do Brasil, por
intermédio de sua subseção de Piracicaba divulgou nota pública de repúdio às
discriminações que ocorreram na Câmara de Piracicaba e o Ministério Público de São
Paulo (MPSP) em sua regional de Piracicaba instaurou inquérito civil para
apurar o caso diante de seis representações que noticiaram ao MPSP o que
aconteceu. Veja notícias abaixo.
Incontestável que o fato é deplorável, mas toda a indignação popular, o
lamento das pessoas, a repercussão social e a rápida atuação dos órgãos
oficiais de fiscalização e defesa de direitos, adoça o gosto amargo das
arbitrariedades cometidas, provocando reações químicas que mais contribuíram do
que prejudicaram. É só analisar nesses momentos como a solidariedade e união
aumentam e como o assunto é discutido com intensidade que de outra forma não se
teria tão rápido nas mesmas circunstâncias.
Depois disso tudo penso que na Câmara de Piracicaba não será mais
determinado que as pessoas se levantem para a leitura da Bíblia, respeitando-se
a vontade de cada um. Mais ainda restará fazer com que a Bíblia não seja lida,
para o respeito e efetivo Estado laico, e fotos e filmagens não sejam
cerceadas, entre outras providências imprescindíveis.
Às vezes é mediante grandes e graves equívocos, que refletem perversas
arbitrariedades, que nascem as revoluções que provocam a bonança. É como disse
Chico "apesar de você, amanhã há de
ser outro dia. Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia? Como
vai proibir quando o galo insistir em cantar? Água nova brotando e a gente se
amando sem parar..."
Raquel Bencsik Montero
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