Esses dias caiu uma ponte em
Ribeirão Preto. A ponte localizada entre as avenidas Francisco
Junqueira e Plínio de Castro Prado.
Em parte da Avenida Francisco
Junqueira foi onde ocorreram as obras "contra enchentes",
objetivando extirpar os históricos alagamentos que todos os anos
aconteciam na famosa avenida e por vezes levou o patrimônio e a vida
de muitas pessoas.
Aparentemente, após as obras
não houve alagamentos na avenida durante as chuvas deste ano.
Problema resolvido? Não mesmo.
Resumindo, as obras feitas na
Avenida Francisco Junqueira, que foram as mesmas feitas na Avenida
Jerônimo Gonçalves consistiram em alargar e aumentar o espaço por
onde passam os rios nessas avenidas. É só ir lá pessoalmente e
verificar; maior em tamanho e largura além de uma bonita arquitetura
na Avenida Jerônimo Gonçalves.
Mas isso está muito longe do
fim do problema das enchentes.
A excessiva retificação e
canalização de cursos d´água que leva as águas da chuva a se
dirigirem mais rapidamente aos cursos d´água maiores, que são os
rios (exatamente o que acontece em Ribeirão), combinada com a
impermeabilização da zona urbana como reflexo de limpeza e
saneamento, o que acaba retirando das cidades urbanas sua capacidade
de reter águas de chuva, transformam-se nas principais causas de
enchentes.
Há ainda outros fatores que
contribuem diretamente para as enchentes:
- a despreocupação com a erosão de terrenos provocada pela especulação imobiliária (mais uma vez ela), que faz seus projetos de construção sem se ater às peculiaridades dos terrenos onde está construindo, não verificando a capacidade de vazão de águas nesses terrenos. No olhar da especulação o terreno tem que se adequar ao projeto e não o contrário;
- a falta de investimento em educação ambiental para que os resíduos (sólidos, da construção civil, etc) sejam devidamente descartados e não simplesmente jogados nas ruas, matas, terrenos, porque esses resíduos serão fáceis obstáculos para impedirem o escoamento correto das águas que correm nas vias públicas, bem como prejudicarão a permeabilização dos solos, quando estes resíduos estiverem localizados em áreas verdes;
- a ausência de técnicos nos órgãos públicos responsáveis pela obras públicas da cidade e por autorizar as obras particulares. O que se tem muito são servidores comissionados decorrentes de acordo políticos, mas não servidores públicos técnicos, com conhecimento e aptidão para a prestação do serviço público exigido;
- pouquíssimas ou pífias áreas verdes na cidade. Com mais praças, parques, matas na cidade teríamos mais absorção da água da chuva, assim como se as casas fossem respaldadas com áreas verdes dentro e fora de suas residências, tais como com calçadas parcialmente cobertas de grama.
Para se ter uma noção da
relevância da impermeabilização, pondere que o Coeficiente de
Escoamento, índice que reflete a relação entre o volume da chuva
que escoa superficialmente e o volume que infiltra no terreno, na
cidade de São Paulo está em torno de 80%, isto é, 80% do volume de
uma chuva escoa superficialmente comprometendo rapidamente o sistema
de drenagem. Na mesma circunstância, uma floresta ou um bosque
floreado urbano, o Coeficiente de Escoamento fica em torno de 20%,
isto é, cerca de 80% do volume das chuvas fica retido no bosque.
Essas falhas, que existem aqui
em Ribeirão e várias outras cidades não é, todavia, uma visão
geral de governo. Em nível federal temos visões bem evoluídas
sobre o tema. No Ministério das Cidades há o entendimento para
viabilizar projetos de macrodrenagem que trabalhem com o conceito de
retenção e sustentabilidade, por exemplo.
Há um documento, chamado de
"Termo de Referência para Elaboração de Plano Diretor de
Águas Pluviais Urbanas", criado em 2011 pela Secretaria
Nacional de Saneamento Ambiental, que condena a retificação de rios
e ampliação da impermeabilização do solo e prioriza o controle da
impermeabilização, a restrição da ocupação de áreas de
recarga, várzeas e áreas frágeis, implantação de mecanismos de
infiltração ou reservatórios de amortecimento no lugar de obras de
aceleração e afastamento das águas pluviais (canalização). Esse
documento é usado para a seleção de projetos de drenagem a serem
financiados pela União.
Dentro dessas medidas elencadas
acima, qualquer outra intervenção que não as contemple como um
todo, estará fadada ao fracasso, sendo sinônimo de mero paliativo
do problema da enchente.
E os governantes sabem disso,
porém, não adotam a resolução do problema como meta para seus
governos. Há muitos interesses envolvidos na questão, o imobiliário
é um deles, e muito forte. A própria duração do mandato do
governante é motivo para ele não pensar a cidade com o cuidado que
ela merece, mas sim, tão somente dentro dos quatro anos de mandato,
e ai não fica difícil de arrumar subterfúgios às enchentes, como
costuma-se se ouvir muito: “ah, isso é consequência do governo
anterior ou, foi a mudança climática do mundo.”
O mesmo que foi feito em
Ribeirão e a Prefeita quer continuar a fazer, já foi feito em São
Paulo por várias vezes no Rio Tietê. Bilhões já foram gastos no
aumento da capacidade de vazão do Tietê em vários projetos
sucessivos de ampliação e aprofundamento de sua calha, outros
tantos no desassoreamento de seu leito. Ao mesmo tempo, milhões de
metros cúbicos de sedimentos produzidos anualmente pelos processos
erosivos que ocorrem nas expansões da cidade têm como fim desaguar
no rio.
E pergunto, essas obras acabaram
com as enchentes em São Paulo?
Não. E continuando por esse
caminho nem vai acabar. E infelizmente Ribeirão está fazendo a
mesma trilha.
Essas obras não atacam a raiz
do problema e atacá-la seria limitar construções e
impermeabilizações, condicionar que construções abranjam
retenções de água da chuva e reuso inteligente e sustentável
dessa água. E as construtoras permitem isso?
Não só não permitem como
constroem em cima de tudo isso à revelia dos governantes, ou pessoas
investidas como tais, porque o verdadeiro governante é o estadista que
governa para todos, dando prioridade ao interesse público e não ao
particular, que comumente, não por acaso, são os maiores
financiadores de campanha eleitorais.
Raquel Bencsik Montero
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