Raquel Montero

Raquel Montero

terça-feira, 12 de junho de 2012

Projeto Meditação


Um dos objetivos da pena, como espécie de sanção penal, é a ressocialização do preso. Objetivo esse que, desde que foi estabelecido, muito pouco conseguiu concretizar. A reincidência comprova isso. Aliás, o que se conseguiu concretizar nesse sentido com a execução da pena em nosso sistema penal, foi por mérito do próprio condenado e não do sistema.

Muito distante está a realidade da execução penal da teoria que prega nossa legislação. A legislação penal tem uma bem elaborada disciplina de direitos e deveres, porém, nossos estabelecimentos penais e demais estruturas condizentes, esvaziam todo esse conteúdo, criando uma nova lei, a “lei do sistema”.

Essa “nova lei”, por sua vez, propicia todas as condições para que o condenado saia do presídio com muito mais chances de reincidir em práticas delituosas. Isso é algo lógico. Não tem como esperar melhora se não se proporciona condições para tanto. Essa lógica, porém, que subjaz a esse sistema tão grotesco, não é a lógica que interessa a muitos e sendo assim, ela é deturpada de maneira a construir um outro culpado, e é nesse momento que nasce o “monstro” do condenado. Este acaba sendo o culpado sozinho pela existência da criminalidade. A família, a sociedade, o Poder Público, estão, nessa ótica vil e dissimulada, “alheias” a esse problema.

A impunidade que há no Brasil está nos altos escalões, e nos nefastos comportamentos do Poder Público, em propiciar e permitir tantas aberrações no sistema, que comumente tem origens na falta de investimentos na educação, na ausência de empregos, exploração do trabalho, patrocínio ao consumo desenfreado e desvinculado de valores, padrões midiáticos que embotam. Isso são crimes contra a vida, os valores, a administração da justiça...

Saindo desses “altos escalões” não há tanta impunidade como divulga a imprensa. Tem dúvida? Visite um presídio então.

Nessa conjuntura, tem-se terreno para a indignação. Indignação que busca a correta aplicação dos postulados legais e morais. Indignação também que é dominada por vários outros sentimentos, dentre eles, a compaixão. Compaixão que faz pensar alguns e lembrar a outros que um indivíduo que se tornou preso, não deixou, por isso, de ser gente, e, como tal, tem direito a uma nova chance. Chance que talvez ele nunca tenha recebido de sua família, da sociedade, do Poder Público.

Nessa sintonia nascem algumas idéias, como foi o caso da meditação nos presídios. A meditação, inclusive, nas experiências que se irá demonstrar, alcançou, com êxito, o objetivo ressocializador da pena.

Em Nova Lima, município próximo a Belo Horizonte, existe um projeto conhecido como APAC que se destina a recuperação de presos. O projeto se baseia em dez princípios: participação da comunidade, recuperação, ajuda, trabalho, religião, assistência jurídica, assistência a saúde, valorização humana, família, trabalho voluntário e mérito.

É um projeto modelo, onde os próprios presos têm a chave da prisão. A disciplina é rigorosa. Têm horário para tudo, trabalham muito e a disciplina é tal que se perderem 5 pontos em 1 mês, o detento é expulso, sem direito a retorno. Para se ter uma idéia, se falar palavrão, perde 1 ponto, se o armário com coisas pessoais estiver levemente desarrumado, perde-se outro ponto. Esse estatuto foi feito pelos próprios presos. O índice de fugas é baixíssimo, porque se fugir não tem direito a retorno. A comida é ótima. Eles têm marcenaria e padaria que fornece pães para as escolas. Todos os funcionários do presídio são voluntários, inclusive a diretora.

Há quatro anos, o CIYMA (Centro Integrado de Yoga, Meditação e Ayurveda) mantém o projeto Yoga e Meditação na Febem no Internato Feminino da Mooca, em São Paulo. Diariamente um grupo de voluntárias visita a unidade e comprova que a prática meditativa leva à melhora do rendimento escolar das internas e a uma postura mais positiva e esperançosa em relação ao futuro.

O monge Dada Maheshvarananda e alguns voluntários da Ananda Marga – organização sócio-espiritual fundada em 1955, na Índia, e estabelecida em mais de 150 países – trabalharam durante dois anos com prisioneiros portadores de AIDS na antiga Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, e outros quatro na penitenciária José Maria Alckmin, em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. O papel do monge e dos voluntários era incentivar os presos a usarem seu tempo de pena para sua transformação pessoal, por meio da meditação. Segundo Dada Maheshvarananda, muitos foram sinceros e alguns realmente mudaram.

No sistema prisional do Rio Grande do Norte, a prática de yoga e meditação nos presídios vêm sendo desenvolvida no Projeto Mente Livre, coordenado pelo professor José Hermógenes de Andrade Filho, 85 anos, natural de Natal, que há mais de 44 anos mora e ministra aulas de yoga no Rio de Janeiro.

Entre as muitas histórias de transformação espiritual que o professor Hermógenes já colhe com este trabalho, está a de Luiz Henrique Gusson Coelho, um dos detentos da Penitenciária de Parnamirim. A vida antes e depois da meditação de Gusson Coelho, que hoje atua ao lado do professor Hermógenes na coordenação do projeto, inspirou o fotógrafo Marcelo Buainain na produção do documentário “Do Lodo ao Lótus”, título que faz uma bela alusão à simbologia da flor de lótus, que como os presidiários, encontram sua chance de desabrochar mesmo em águas turvas e lodosas.

Um pouco mais do trabalho desenvolvido pelo Prof. Hermógenes pode ser visto no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=EIG8mfpJFjI

Em Nova Délhi, existe o Complexo Penitenciário de Tihar, que abriga 13 mil detentos, o dobro de sua capacidade oficial e 60% mais gente do que o Carandiru, em São Paulo, chegou a ter. Mas desse inferno surgiu um foco de paz: Tihar criou um programa de meditação voluntária, do qual os presos podem participar em busca de tranquilidade e elevação espiritual. A cada duas semanas, uma ala de um pavilhão é reservada para os retiros, que duram 10 dias e não são nada fáceis. Os presos devem ficar completamente em silêncio e meditar por 8 horas diárias, absolutamente parados, sem mexer nenhum músculo do corpo. É a Vipassana (termo que significa "visão interior"), uma prática milenar do budismo, e um dos tipos de meditação mais difíceis que existem. Cada detento pode fazer o retiro a cada 3 meses, e a maioria dos que começam não para mais.

"A Vipassana nos ajuda a ver as coisas como são. Por isso, acaba ajudando os presos a enxergar a detenção como uma etapa, uma jornada para se tornarem pessoas melhores e verdadeiramente livres", afirma o professor de meditação Satya Narayan Goenka, que teve a idéia de instituir a prática na cadeia. Segundo ele, os presos se tornaram mais calmos, a penitenciária passou a registrar menos incidentes violentos, e a reincidência criminal dos que são soltos também diminuiu. No Brasil, um grupo de praticantes tentam convencer, desde 2008, o governo a implantar a Vipassana nos presídios.

O documentário Tempo de Espera, Tempo de Vipassana (“Doing Time, Doing Vipassana” – India/Israel, 50min), relata essa experiência ocorrida no Presídio de Tihar, Nova Déli, e em diversas prisões da Índia. O documentário demonstra como a prática da meditação silenciosa e da auto-observação pode auxiliar a uma melhor compreensão de si mesmo e da realidade ao seu redor, melhorando a qualidade de nossas vidas e de todos que convivem conosco (vencedor dos Prêmios Golden Spire – Festival Internacional de Cinema de San Francisco, 1998 e Prêmio Finalista Festival de Cinema de Nova York, 1998).

A técnica acabou por levar ao quase aniquilamento da reincidência, corrupção e uso de drogas nos presídios onde está funcionando. Em razão do sucesso imediato, foi estendida aos funcionários do estabelecimento e proporcionou a proliferação de cursos periódicos em uma área especialmente criada para reflexão. A transformação modelar da prisão Tihar, nos últimos 13 anos da experiência, acabou fazendo-a referência para outros presídios indianos.

Alguns países da América Latina, como Argentina, Chile e Uruguai também estão inovando no tratamento de seus presidiários. Com a ajuda de mestres espirituais, várias penitenciárias estão promovendo métodos de meditação e auto-ajuda, para acalmar os presos.

Para os responsáveis pelos presídios o projeto deu mais certo do que o esperado. Eles dizem que desde que começaram as aulas espirituais, os internos se sentem mais tranquilos. Já não brigam com os companheiros, não se incomodam tanto em conviver com outros presos e não têm as reações de antes. Sentem-se mais descansados e estão bem menos agressivos.

Em Buenos Aires, por exemplo, onde começou a idéia, 360 presos em 13 penitenciárias estão praticando meditação. Cada grupo possui no máximo quarenta presos. As aulas duram duas horas, uma vez por semana. Eles praticam técnicas e ensinamentos aprendidos, para, na aula seguinte, liderados pelo instrutor, relatar ao grupo os efeitos que sentiram e os dramas que enfrentam.

Aqui, em Ribeirão Preto, no fórum sobre “Saúde no Sistema Prisional”, ocorrido em 2011 na 12º Subseção da Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OABRP), em conversa com o Diretor da Penitenciária masculina de Serra Azul e respectivos agentes penitenciários dos presídios 01 e 02 de Serra Azul, bem como com a Diretora da Penitenciária feminina de Rib., a idéia foi muito bem recebida.

Diante da boa receptividade da idéia, das experiências positivas que já ocorreram e vêm ocorrendo com a aplicação da meditação em presídios, da necessidade de alternativas à política criminal e dos efeitos benéficos da meditação que, inclusive, proporcionam os fins almejados pela pena e pela medida sócio-educativa, notadamente a ressocialização do infrator, procurou-se criar um projeto para aplicar a meditação nos estabelecimentos penais de Ribeirão Preto.

Seguiu-se na divulgação da idéia e captação de voluntários (http://www.oabrp.org.br/jornal/edicoes_det.php?cid=15&id=114   http://acervo.folha.com.br/fsp/2011/08/15/15).

Concomitantemente surgiram os voluntários e a solicitação do projeto.

A solicitação do projeto veio do anterior diretor da Fundação Casa de Ribeirão Preto (antiga FEBEM), senhor Roberto Carlos Damásio, que solicitou-me que levasse o projeto para a Fundação Casa. Levamos e o aplicamos, inicialmente aos funcionários da Fundação e, após, aos adolescentes.

E assim iniciou-se o pioneiro “Projeto Meditação” em Ribeirão Preto pretendo proporcionar um estado espiritual de elevação em que o preso e o adolescente infrator tenham condições para melhorar a si mesmo e na sua relação com os outros. Esse é o objetivo do projeto. Esse é o objetivo a que se propõe a meditação, e, assim sendo, atinge-se ao próprio objetivo da pena e da medida sócio-educativa, isto é, a ressocialização do infrator.

Começamos assim, um passo de cada vez e na caminhada seguimos, quiçá, transformando a meditação em instrumento de política pública criminal. Torço para isso.

 Interessados que queiram mais informações ou que queiram participar desse projeto aqui em Ribeirão pode entrar em contato pelo telefone 16-3013-9636, ou, pelo e-mail raquelbencsik@ig.com.br.


         Raquel Bencsik Montero

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