Raquel Montero

Raquel Montero

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Rolezinho nos shoppings de Ribeirão e as contradições do preconceito

Em decisão recente, datada de 05 de junho de 2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), restabeleceu o direito de crianças e adolescentes frequentarem os dois shoppings a que haviam sido proibidas, sendo estes o Ribeirão Shopping e o Shopping Santa Úrsula.

A proibição foi em decorrência de decisão proferida pelo juiz da infância e juventude da comarca de Ribeirão Preto, Paulo César Gentile, por entender ele que os encontros de crianças e adolescentes nos shoppings estariam provocando desordem, riscos e insegurança para todos os frequentadores.

Indo mais longe, o fato, que se tornou uma polêmica, teve origem na ação da Polícia Civil de Ribeirão Preto, no início de 2014. Dois sentimentos se misturaram na ação da Polícia Civil de Ribeirão Preto, comandada pelo delegado Haroldo Chaud; indignação e tristeza.

Na oportunidade, em declaração para a imprensa, disse o delegado sobre um encontro, que recebeu o nome de Rolezinho, que estava sendo promovido por jovens para se encontrarem no Shopping Santa Ursula; “Eles não tentaram provocar um crime e, sim, um encontro. Mas, no meio dessa turma, existem os aproveitadores, que têm a intenção de cometer crimes. Então eles estão incitando".

Ou seja, os jovens que criaram um evento no Facebook foram reprimidos e investigados só porque estavam chamando outras pessoas para irem no shopping! E ainda, foram acusados de, com a ação de chamarem outras pessoas para irem no shopping, estarem incitando ao crime! Também, pelo simples fato de convidarem pessoas para irem no shopping, foram responsabilizados, se, porventura, algum crime fosse cometido no shopping!

 Se assim é Delegado, por que os organizadores do Carnabeirão não sofreram a mesma ação da Polícia, já que, por vezes já foi encontrado entorpecentes na festa e diversos furtos e roubos foram cometidos dentro do evento?

O que os jovens queriam era simplesmente combinar um encontro no shopping. Em que momento isso é crime? E se isso fosse crime, todos nós deveríamos estar presos, porque invariavelmente combinamos encontros em diversos lugares, incluindo shoppings.

Se, eventualmente, pessoas praticarem crimes no encontro, quem deve ser responsabilizado é quem praticou o crime, e não outras pessoas que não praticaram e só organizaram o encontro. Se assim não fosse, os próprios prefeitos e prefeitas deveriam ser indiciados e estar presos em razão de todos os crimes praticados durante eventos realizados nas cidades pelas prefeituras.

E dizer que há aproveitadores no evento com a intenção de cometer crimes, é fazer afirmação preconceituosa, já que todos são inocentes até que se prove o contrário. Não há nenhuma prova desses "aproveitadores", e o própria imprensa, em entrevista com o Delegado, reproduziu isso;"Haroldo diz que a denúncia é baseada em conversas da rede social. Um jovem que aderiu ao evento teria dado a entender que praticaria furtos. “O outro coloca uma coisa um pouco mais agressiva, mas não criminosa. ‘A favela contra a classe média’. A frase tem potencial de incendiar o negócio”.

"Dar a entender", "uma coisa mais agressiva, mas não criminosa", ora, em que momento isso é crime? Se assim fosse o dono do próprio Facebook  é que deveria ser o primeiro a ser investigado e inquirido pelo Delegado, já que tantas conversas nessa rede social "dão a entender" tantas coisas, e tanta "coisa agressiva" é dita na rede.

 Nesse fato lastimável, nenhuma alegação apresentada pelo Delegado, como se vê, justifica a ação praticada contra os jovens, ao revés, revelam por mais este fato a grande repressão social que ainda existem contra determinadas pessoas, que são classificadas dentro de "classes sociais".

A molecada foi reprimida, com ágil aparato policial, por organizarem um encontro no shopping. Foi isso. Nenhum crime foi praticado e nenhum crime existe nisso. Porém, os jovens que organizaram o encontro foram interrogados pelo Delegado, a Polícia Civil telefonou para o trabalho de um deles, falando para comparecer na Delegacia, inclusive, segundo a reportagem, a Polícia queria buscá-lo no trabalho, e passaram a ser investigados por "incitação a crime".

Um dos jovens interrogado pelo Delegado, nunca havia pisado em uma Delegacia antes. Ele faz curso profissionalizante e é estagiário em uma loja de um shopping. Sua mãe disse que, além disso, ele é o homem de casa, responsável e cuida da família. Perfil bem diferente do que dizem dos jovens que vão no rolezinho, como se vê em muitas manifestações de racismo na internet;



Fonte da imagem: http://revistaforum.com.br/blog/2014/01/negrada-e-baianada-criminalizacao-de-rolezinhos-gera-explosao-de-racismo-na-internet/ 


E é exatamente esse racismo e preconceito que dão ensejo às repressões sociais historicamente praticadas contra negros, pobres e moradores de periferias. E essas repressões contribuem ainda para multiplicar e potencializar manifestações, essas sim, criminosas, como mostra a imagem acima, praticadas como mais injustiças contra determinadas pessoas, ou classes sociais. São crimes de racismo, apologia e incitação a crime. Porém, nesse contexto, só o rolezinho, que é só um encontro de jovens historicamente excluídos, para passear num espaço, historicamente elitizado, é que é criminalizado.

Essas são algumas das contradições do preconceito.

Raquel  Montero

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