Raquel Montero

Raquel Montero

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Feira do Livro para quem?

Foto Reprodução


Escrevi o texto abaixo para a 13º Feira do Livro de Ribeirão Preto. Quando, na oportunidade, estavam mudando o formato da Feira, com mudanças, na minha opinião, negativas. As mudanças que se fizeram na 13º edição da Feira, permaneceram para a 14º edição e, acredito, permanecerão para a 15º edição que acontece este ano, 2015.

Nesse sentido, no ímpeto de com o pensamento e a reflexão tentar mudar a realidade, reitero, nesta edição da Feira, o texto escrito para a 13º edição da Feira, para, assim, quiça, tentar contribuir para que nossos Administradores públicos evitem os mesmos erros e males praticados nas Feiras anteriores, com as mudanças implantadas. Segue o texto;

Vi Frei Betto na 13º Feira do Livro de Ribeirão Preto. Vi Frei Betto indagando se não haveria iluminação no estande em que ele daria autógrafos em seus livros. Vi a funcionária responder que sim, porém, no momento dos autógrafos o estande continuava sem lâmpadas e assim continuou até o fim da permanência de Frei Betto na Feira.

A luz que faltou no estande faltou no resto da Feira, que este ano se fez na penumbra da tristeza de mais uma segregação social. Os mais abastados ficaram com medo de nossa juventude ribeirão-pretana, e esse medo reduziu a 13º edição da Feira a mais um evento no calendário da cidade, e mais um evento a destacar a desigualdade social que funde nossas vidas.

Em uma noite de sexta-feira, a Feira estava vazia. Pairou sobre ela o silêncio proveniente da ausência dos excluídos. No ano passado acusaram arrastões na Feira, e esse ano, em razão disso, o formato da Feira teve que ser repensado. A solução para o complexo problema social que envolve a criminalidade foi diminuir a quantidade de shows, para só quatro, cobrar a entrega de um livro para obter ingresso para assistir aos mesmos e tirar os shows de lá do calçadão e remetê-los para um lugar cercado. Simples assim. Por que aproveitar o fato para falar de Educação, Cultura, lazer, etc?

E assim, este ano os shows foram para o Parque Maurílio Biagi, ao redor de grades e com vigoroso aparato policial. Muitos policiais. Nunca vi tantos policiais na porta de um show como vi sexta-feira, na entrada e envolta do Parque. Nunca vi tantos policiais, de moto e de carro, em shows no Centro de Eventos Taiwan, Coliseu Lona Branca, Espaço Golf. E olha que para as festas desses lugares costumam chegar encomendas específicas de entorpecentes. 

Agora ficou o barulho dos carros e motos que passam pela rua ao lado, outrora, barulho acobertado pelas músicas das bandas que se apresentavam na Feira e pelas conversas risonhas dos jovens que lá se encontravam. O olhar da paquera também foi substituído, agora, pelos olhares da ordem militar.

Nunca vi polêmica de como os jovens dançam nas boates da zona sul. E muito menos recriminando como se dança nessas boates. Mas na Feira, jovens dançando funk foi motivo de polêmica. O ato foi visto como mais uma situação preocupante. Funk é um estilo musical, que envolve um estilo peculiar de dança também. Ambos fazem parte de uma forma de expressão cultural, assim como a dança do ventre. Mas na Feira... ...jovens da periferia dançando funkrepresenta perigo, e quem não gosta tenta reprimir. Reprimir é a arma da ignorância para fugir do debate. Por que aproveitarmos esse fato para falarmos o que o funk expressa como estilo cultural?  

Foi noticiado também que os estudantes das escolas públicas estavam faltando na aula para ir na Feira, e estavam indo na Feira só para usar entorpecentes. A Feira parece ser o problema então, já que durante ela essas notícias despontam como preocupantes e em outros momentos são só estatísticas. Com isso, esse ano já diminuíram os shows, cobraram escambo para o acesso às atrações musicais, e para mais “ordem”, transferiam os shows para outro lugar, agora cercado. Nessa esteira, no ano que vem podemos nos deparar com uma Feira do Livro, sem livros, porque eles podem estar, com suas palavras, incitando a mais violência e corrompendo as pessoas.

A Feira é o mal, e cultura não está fazendo bem. Nossas crianças e jovens abandonados em nossas escolas públicas sucateadas e com nossos professores desvalorizados, que aprendam com nosso método de ensino de aprovação automática, e depois disso, estando “comportados”, que possam vir à Feira. As famílias brasileiras relegadas às filas de espera nos hospitais, filas do Conselho Tutelar, filas dos núcleos de atendimento de violência doméstica, filas das escolas e universidades públicas, que eduquem seus filhos e assim possam trazê-los para a Feira. Antes disso, melhor não. Deixe a cultura só para os que sabem se comportar como quer a nobreza.

A Feira do Livro de Ribeirão, considerada uma das quatro mais importantes feiras do Brasil, e uma das maiores do mundo na categoria “céu aberto”, tem por principal finalidade a promoção da cultura e da educação, a difusão do livro e da leitura e, prioritariamente, a formação de leitores. Um paradoxo diante do formato que esta tendo a Feira.


Raquel Montero

Artigo publicado no site do PT de Ribeirão; 
http://pt-ribeirao.org.br/artigos/Raquel-Montero/feira-do-livro-para-quem-


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