Continuando...
Roberto Jefferson tem seu mandato de
deputado cassado por quebra de decoro parlamentar. José Dirceu também
teria seu mandato cassado. A CPI da compra de votos, conhecida também como “CPI
do mensalão”, é encerrada sem ter um relatório final aprovado.
Em 2006 o MPF apresenta no STF, denúncia
de envolvimento com o mensalão contra 40 pessoas. José Dirceu, Roberto
Jefferson, Marcos Valério, Duda Mendonça, José Genoíno, Delúbio Soares e Silvio
Pereira estavam entre os acusados de crimes como formação de quadrilha, lavagem
de dinheiro, evasão ilegal de divisas, corrupção ativa e passiva e peculato.
O STF analisou a denúncia por cinco
dias em 2007, concluindo por seu acolhimento. E assim estavam abertos processos
criminais contra 40 acusados pelo MPF. O relator do processo seria o ministro
Joaquim Barbosa.
Em dezembro de 2011, o ministro Joaquim
Barbosa entrega o relatório do processo para o ministro revisor, Ricardo
Lewandowski. Dizendo ter sofrido forte pressão, Lewandowski apresenta seu
trabalho em 26 de junho de 2012 e diz ter feito “das tripas coração para
respeitar o que foi estabelecido pelos ministros da Casa. Foi o voto revisor
mais curto da história do STF, mas sem prejuízo da qualidade”. Com isso o
julgamento pôde ser iniciado no dia 02 de agosto de 2012, coincidindo com a
proximidade das eleições municipais de 2012.
Após mais de 40 sessões, amplamente
acompanhadas pela mídia, o STF conclui que houve compra de votos de
parlamentares da base aliada durante o primeiro mandato presidencial de Lula, e
que houve uso de dinheiro público para tais expedientes. Vinte e cinco pessoas
foram condenadas.
Os ministros não aceitaram o
argumento da defesa dos réus, segundo o qual o mensalão não teria
passado do que é popularmente conhecido como “caixa dois”, isto é, utilização
de dinheiro não declarado no período eleitoral.
O julgamento foi marcado por momentos
tensos, de desarmonia entre os ministros, de decisões baseadas em premissas
inusitadas, como a “teoria do domínio do fato”, em que alguns réus foram
condenados sem provas factuais já que, supostamente pela posição que ocupavam,
deveriam ter conhecimento dos atos criminosos praticados. A insegurança
jurídica desse raciocínio foi citada por vários especialistas.
Uma coisa ficou clara; Dirceu e
Genoíno foram condenados sem prova concreta contra eles, mas sim sob o
argumento de que “era impossível” que não soubessem de nada. E assim foi feita
“justiça” no STF.
Para muitos especialistas foi um
péssimo exemplo de Direito, permeado por dúvidas, preconceitos, subjetividades
e pela não presunção da inocência, onde até que se prove o contrário, ou sob
qualquer dúvida ou incerteza, o réu é inocente.
José Dirceu foi condenado como o
mentor do “esquema” e José Genoíno por corrupção ativa e formação de
quadrilha.
Não por mera coincidência, o
julgamento foi marcado para a véspera das eleições municipais no país.
Vícios, parcialidades e máculas
Vou destacar os principais vícios,
parcialidades e máculas praticadas no julgamento do mensalão pelo STF, e que com contundência tornam nulo o julgamento
praticado e injusta a decisão proferida.
Foi violado o princípio
constitucional essencial do juiz natural. A regra geral é que o primeiro
órgão a examinar uma causa é um juiz de primeiro grau, sobretudo e
principalmente se o réu for um cidadão comum. Os tribunais são acessados quando
houver um recurso e a competência deles é sempre excepcional e deve estar
explícita. E se há no mesmo processo várias pessoas acusadas de um mesmo crime,
sendo que algumas têm foro privilegiado para serem processadas no STF e outras
não têm foro privilegiado, não podem ter suas acusações reunidas e julgadas
pelo mesmo órgão. E foi exatamente o contrário que ocorreu no julgamento do
mensalão.
Foram julgadas pelo STF pessoas
comuns que não exercem funções públicas exigidas pelas regras constitucionais
para que sejam julgadas pelo STF, e assim essas pessoas deveriam ter sido
julgadas pelo juiz natural competente, que seria o juiz de primeiro grau de
jurisdição e não o STF. O Ministro Ricardo Lewandowski quase foi agredido
quando levantou esta questão, e isso, de certo modo, intimidou alguns outros
ministros, que podem ter ficado temerosos de sofrer a mesma agressão.
Além disso, o STF foi amplamente
criticado pelo uso que deu à “teoria do domínio do fato”.
Na faculdade de Direito ensina-se que
pela “teoria do domínio do fato”, autor da infração é aquele que domina
finalmente a realização do fato, isto é, quem decide, em linhas gerais, o
“se” e o “como” de sua realização.
Não foi a teoria adotada pelo Brasil.
A teoria adotada pelo Brasil é a “teoria restritiva (formal-objetiva e
objetivo-material), segundo a qual autor da infração é quem efetivamente
realiza a ação criminosa.
O que aconteceu no julgamento da Ação
Penal 470, foi a adoção da “teoria do domínio do fato”, que o Brasil não é
adepto, e ainda, com um novo significado, avesso ao significado original da
teoria desenvolvida em 1930 e conhecida mundialmente. Os ministros decidiram
que uma pessoa de um alto cargo na hierarquia de uma instituição pode
contribuir para um crime apenas pela posição que ocupa, mesmo que não tenha
participado diretamente dos fatos. A teoria, assim aplicada, permite incriminar
e condenar réus contra os quais não existam provas concretas. Em outras
palavras a teoria está sendo usada agora para condenar réus sem prova.
O ministro revisor da ação, Ricardo
Lewandowski, e o ministro Antonio Dias Toffoli fizeram a mesma crítica. Para
eles José Dirceu foi condenado tão somente por ter sido presidente do PT
à época dos fatos.
A “teoria do domínio do fato”,
cuidadosamente desenvolvida, foi desvirtuada e utilizada para flexibilizar a análise
rigorosa que deve ser feita em um processo penal acerca da prova dos autos.
A “teoria do domínio do
fato” trata o autor da ação criminosa segundo sua conduta durante a ação
criminosa e não pelo resultado dela. O que interessa não é o resultado final,
mas a conduta do autor ao ter o controle do fato, conhecendo o fato delituoso e
sabendo quem são os autores e coautores.
Nessa conjuntura há elementos
fortes que levam a considerar que houve elevado grau de subjetividade no
julgamento, não só pela falta considerável de provas, pela existência de vários
indícios controversos, mas também pelo reconhecimento por parte dos próprios
ministros, do teor subjetivo das decisões. O próprio ministro Joaquim Barbosa
afirmou que não estava decidindo com base em provas, mas em indícios e
suposições. Um “achismo jurídico”, foi o que ocorreu.
Continua...
Raquel Bencsik Montero
Nenhum comentário:
Postar um comentário