Foto: Taiga Cazarine/G1)
Escreveu Karl Marx e Friederich Engels que o livre desenvolvimento de cada um é a
condição para o livre desenvolvimento de todos.
Essa é a máxima do verdadeiro cristão também, que segue Jesus,
o Messias enviado pelo Pai para dar lições de amor à humanidade. Em uma dessas lições, Jesus chama à mesa e
reparte o pão com seus iguais.
A práxis, no
entanto, as vezes esbarra em interesses que fazem rasgar a teoria fazendo ela
restar como demagogia.
A convivência nos mostra que, ela mesma, convivência, não é
fácil. A vida em sociedade nos traz muitos desafios a transpor. Ao mesmo tempo,
a falta da convivência não nos propicia a evolução, porque é na própria convivência
que encontramos as lições necessárias para a também necessária evolução.
Nos extremos sempre existe um ponto, que separa um e outro.
Este é o almejado equilíbrio, que não se constrói com exclusão, nem sem a
inclusão. Eis o ensinamento com a divisão do pão, de Jesus, e a condição para o
livre desenvolvimento de todos, de Marx e Engels.
Nos moldes das propostas deixados pelas três pessoas aqui
citadas, para ficarmos em apenas três exemplos dos muitos deixados pela história
com a mesma mensagem, o que faz uma pessoa pensar que a violência que teme será
extirpada com sua própria segregação do resto da sociedade através de muros,
grades, cercas, etc? A violência do lado de fora do muro deixará de existir,
simplesmente com a presença do muro?
O problema da violência se resolve com muros, guaritas,
cercas e outros apetrechos produzidos pela indústria que lucra com a própria
violência?
Será a violência um problema social onde todos têm o dever
de contribuir para cessar ou será a violência um problema criado pelo próprio
infrator que comete o crime e todas as demais pessoas da sociedade estão
isentas de qualquer participação no fruto da sociedade?
Esticando um pouco mais o individualismo contido nesse
pensamento, o que faz aquele que não pode blindar seu carro e sua casa, dentro
da mesma sociedade daquele que pode blindar?
Essas reflexões me vieram na cabeça assistindo ao episódio
recente promovido pelos moradores do Jardim Canadá, bairro da zona sul de
Ribeirão Preto, que aprovaram parte do fechamento do bairro, com muros e
guaritas, para transformá-lo em um condomínio, sob o fundamento de que estão
agindo por medo da violência.
Como se não bastasse o pensamento individualista da
segregação, o fato praticado pela Associação de Moradores do Jardim Canadá,
aprovado por cerca de 80% dos moradores do bairro, ainda carrega vício de
inconstitucionalidade já que estão promovendo a construção de muros e guaritas
em cerca de 12 ruas e 21 quarteirões do bairro, baseados em uma lei municipal
(Lei Complementar Municipal nº 2462 de 2011), sendo que a competência para
legislar sobre condomínios é da União, e não do Município. O Ministério Público
já ajuizou ação civil pública para pleitear a demolição dos muros e das
guaritas, sob o fundamento da inconstitucionalidade da lei municipal aludida.
A Associação de Moradores do Jardim Canadá, procurada pela
imprensa, em nenhum momento quis se manifestar para defender seus atos.
Finalizo este artigo com uma parte da letra da música do
Rappa, que sempre me lembro quando vejo os condomínios já construídos e os que
estão sendo construídos pelas cidades; "as grades do condomínio são
pra trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que tá
nessa prisão..."
Essa é a paz que eu não quero conservar pra tentar ser
feliz. Repartir o pão é fazer com que todos se alimentem, e com todos
alimentados não haverá esfomeados. É na falta de oportunidades que jaz a maior
causa da criminalidade. É contra isso que temos que lutar, é contra isso que
temos que nos unir. Muros separam, pontes unem.
Raquel Montero
Artigo publicado também no jornal Tribuna de Ribeirão, em 27 de março de 2015; http://www.tribunaribeirao.com.br/aplicativo/no-jardim-canada-o-ridiculo-do-individualismo/
Artigo publicado também no jornal Tribuna de Ribeirão, em 27 de março de 2015; http://www.tribunaribeirao.com.br/aplicativo/no-jardim-canada-o-ridiculo-do-individualismo/