Raquel Montero

Raquel Montero

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Se estava embriagada, é estupro

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 28.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/se-estava-embriagada-e-estupro/




Foto: Reprodução

 


A cada 08 (oito) minutos uma pessoa foi estuprada no Brasil em 2019. Foram mais 66.123 casos registrados nas delegacias de todo o país.  Em quase 85,7% deles, as vítimas eram mulheres, o que revela que a violência de gênero ainda é uma realidade sombria e que precisa ser combatida. Os dados são da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

 

Eles foram divulgados em um contexto em que o crime de estupro ganhou força na imprensa com o caso do jogador de futebol Robinho, condenado em 2017 em primeira instância pelo Tribunal de Milão, na Itália, a nove anos de prisão pelo crime de violência sexual em grupo, formado por 06 (seis) pessoas, contra uma jovem albanesa de 23 anos.

 

Diálogos do jogador obtidos através de interceptações telefônicas gravadas com autorização da Justiça italiana foram determinantes para a condenação do jogador Robinho e Ricardo Falco, seu amigo, e foram transcritos na sentença. Os diálogos gravados foram divulgados com autorização judicial, e neles o jogador Robinho e seu amigo Ricardo Falco mostram que tinham consciência que a vítima não estava em condições de dar consentimento, que estava alcoolizada, e demonstram preocupação com a possibilidade de ela registrar uma denúncia. A ver alguns dos diálogos;

 

Falco: Ela se lembra da situação. Ela sabe que todos transaram com ela.

Robinho: O (nome do amigo) tenho certeza que gozou dentro dela.

Falco: Não acredito. Naquele dia ela não conseguia fazer nada, nem mesmo ficar em pé, ela estava realmente fora de si.

Robinho: Sim.

 

Isso é estupro. Praticar ato sexual com alguém que "não conseguia fazer nada, estava fora de si" é estupro.

 

Jairo Chagas, músico que tocou naquela noite no local, teria avisado o jogador Robinho sobre a investigação. O jogador, então, respondeu: "Estou rindo porque não estou nem ai, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu."

 

Isso é estupro. Praticar ato sexual com uma mulher que está bêbada é estupro, porque ela não está com consciência, está em condição de vulnerabilidade e não tem condições de dar consentimento. Está exatamente como disse o amigo do jogador Robinho, "fora de si".

 

Em outra conversa com o músico, o jogador Robinho disse:

Robinho: A Polícia não pode dizer nada, eu direi que estava com você e depois fui para casa.

Jairo: Mas você também transou com a mulher.

Robinho: Não, eu tentei. (nome de amigo 1), (nome de amigo 2), (nome de amigo 3)...

Jairo: Eu te vi quando colocava o pênis na boca dela.

Robinho: Isso não significa transar.

 

 Em interrogatório o jogador negou o abuso mas admitiu ter ocorrido a prática de sexo oral na jovem de 23 anos. Em outras conversas gravadas o jogador disse que os outros cinco amigos tiveram relação sexual com a vítima e que ele tentou ter, e que recebeu sexo oral da vitima e que isso não significa transar. O abuso foi praticado por 06 pessoas, incluindo o jogador Robinho.

 

O caso ganhou repercussão internacional, e aqui no Brasil causou muita indignação contra o jogador. Tamanha repercussão contra o jogador, promovida pela indignação das pessoas nas redes sociais e pelos patrocinadores do time que cobraram uma posição do Clube de Futebol Santos, que chegaram a ameaçar de tirar a verba de patrocínio acaso o time não fizesse nada, fez o Santos suspender o contrato que havia feito com o jogador.

 

Depois da repercussão o jogador Robinho concedeu uma entrevista onde ele falou pela primeira vez do caso. Ele negou novamente que tenha ocorrido o crime porque não houve penetração da parte dele, que sexo oral não é sexo, que o que aconteceu lá foi de forma consentida e que o único erro que ele cometeu foi de ter traído sua esposa. E durante a entrevista ele disse também que “Infelizmente, existe esse movimento feminista. Muitas mulheres às vezes não são nem mulheres, para falar o português claro (…)".

 

As declarações do jogador Robinho são tão revoltantes e deploráveis quanto a prática de um estupro coletivo contra uma jovem de 23 anos que está alcoolizada, sem consciência, portanto. Felizmente existe esse movimento feminista no Brasil, que combate estupros coletivos.

 

Raquel Montero

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Entrevista para a Revide sobre desigualdades de participação entre homens e mulheres nas eleições

     Na edição desta semana da Revista Revide fui entrevistada para comentar sobre matéria que trata da desigualdade de participação entre homens e mulheres em mais uma eleição. O número dessa desigualdade é enorme; de 11 candidaturas à prefeitura de Ribeirão, apenas duas são de mulheres, e de 568 candidaturas à vereança, apenas 181 são de mulheres. E isso acontece apesar das mulheres serem a maioria na população de Ribeirão.












terça-feira, 13 de outubro de 2020

Em 16 anos a estatal Correios foi melhor que empresas privadas

 

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 21.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/em-16-anos-a-estatal-correios-foi-melhor-que-empresas-privadas/



Foto: Reprodução



O Presidente da República, Jair Bolsonaro, (sem partido), defende em seu governo a privatização de serviços e empresas, e utiliza como fundamentos das privatizações que quer fazer o lucro que a venda das empresas estatais traria e o melhor funcionamento dos serviços sob gestão privada. E como projeto mais recente de privatização defendida por Bolsonaro está a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

 

Mas a privatização leva mesmo a esses resultados? Qual serviço público privatizado melhorou ao ser privatizado? O modelo estatal não está, de forma generalizada, levando à esses resultados satisfatórios? Se há problemas na empresa estatal, assim como existem aos montes nas empresas privadas, o certo a ser feito é resolver o problema ou descartar a empresa junto com o problema? Eliminar o patrimônio público em razão da má administração dos gestores equivaleria a "culpar" o patrimônio pela má administração feita pela pessoa que o administrou, quando, ao revés, se deveria culpar ou responsabilizar a pessoa que o administrou. 

 

Com relação ao argumento do "lucro" ele é errado. Empresa estatal não tem que dar lucro, ela tem que cumprir sua função constitucional, cumprir bem e sem causar prejuízo. Mesmo assim, sem ter que dar lucro, estatais brasileiras vêm dando lucro, e de forma progressiva como se pode constatar com a Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

 

Com relação ao outro argumento utilizado por Bolsonaro para a defesa da privatização, de que o serviço é melhor prestado sob gestão privada do que sob a gestão pública, há experiências concretas que contestam esse argumentos, dentre elas, as telecomunicações e a própria ECT, que Bolsonaro quer vender.

 

 Os registros das reclamações e denúncias apresentadas por consumidoras e consumidores nos Procons de todo o Brasil contra empresas nos últimos 16 (dezesseis) anos, 2004 à 2019,, e consolidadas no banco de dados oficial e nacional do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC), da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, demonstra que empresas de telecomunicações, após a privatização das telecomunicações, constaram por 15 (quinze), dos últimos 16 (dezesseis) anos, como primeiro lugar nas listas anuais, de 2004 à 2019, das 100 empresas mais reclamadas do Brasil, e no mesmo período constou entre o primeiro, segundo e terceiro lugar de assunto mais reclamado e área mais reclamada do Brasil. E isso tudo após a privatização das telecomunicações ocorridas em 1998 sob o governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB.

 

Com base nessa análise se constata que a privatização das telecomunicações, que substituiu o modelo estatal de prestação desse serviço e que veio como uma promessa de qualidade no serviço, não garantiu a qualidade dos serviços prestados, e o fundamento sob o qual ela ocorreu, por estes resultados, não se sustentaram, do contrário, não teríamos esses resultados, e de maneira consecutiva, reincidente e por parte de várias empresas privadas.

 

Já a ECT, que é uma empresa pública federal que atende todo o território nacional e o exterior, considerando a essencialidade do serviço dos correios, a prestação do serviço em regime de monopólio e comparada a ECT com empresas privadas que atendem menos quantidade de consumidoras e consumidores e que constam dentre as 10 (dez) empresas mais reclamadas nas 16 listas anuais analisadas, sendo essas, o Banco Bradesco que tem 28,3 milhões de clientes, o Banco Santander que tem 25,5 milhões de clientes, o Banco Citibank (até antes da venda de seu varejo de clientes pessoas físicas em 2016) que tinha 315 mil clientes, a ECT, comparadas com essas empresas privadas,  nunca constou entre as dez empresas mais reclamadas, já essas empresas privadas, sim, a ECT nunca constou como serviço mais reclamado dentre os 24 (vinte e quatro) serviços mais reclamados, já os serviços prestados por essas empresas privadas, sim, a ECT não constou em 02 listas anuais (2007 e 2008), já essas empresas privadas constaram em todas as listas anuais nos últimos 16 anos analisados.

 

Essa comparação da ECT com as empresas privadas mencionadas permite constatar melhor desempenho da empresa estatal em comparação com empresas privadas, e assim, a melhor prestação do serviço sob a gestão pública do que sob a gestão privada tendo como comparação a quantidade de pessoas atendidas. Mais um fato concreto,  portanto, que contesta o argumento de Bolsonaro.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Bater em criança e adolescente é covardia e violência



Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 08.10.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

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Foto: Reprodução

 


Costumamos falar e ouvir muito sobre críticas à violência, sobre falta de respeito, agressividade. Contraditoriamente, é comum vermos e ouvirmos, também, pais e mães dizerem às suas próprias filhas, ou, aos seus próprios filhos: "se fizer isso eu vou te bater", ou, "se fizer aquilo você vai apanhar".

 

Um pai, uma mãe, ameaçar de bater em sua própria filha, ou, em seu próprio filho, ou, efetivamente bater, é a pior violência que pode existir, é a maior das covardias que um ser humano pode praticar. Aquela pessoa que deveria ensinar a dialogar, a amar e a não causar dor a ninguém, passa a fazer o contrário, pratica violência contra uma pessoa de menos força e que está totalmente dependente de seu cuidado e educação, que está sob sua responsabilidade para ser criada e educada para a vida.

 

Pode-se chamar de "educação" e de "cuidado" algo que se baseia em "bater" na outra pessoa? A que caminho poderá levar tal método baseado em bater ou agredir verbalmente senão ao caminho de mais violência, já que a mensagem que fica com tal método é o de que é com violência que se resolvem os conflitos, e não com diálogo, respeito e amor?

 

Quando se usa de violência física ou verbal contra a outra pessoa, não é educação e nem amor, é violência, descontrole, despreparo e ausência de argumentos para dialogar. Não é amor um beliscão, um tapa na cara, uma palmada, um grito, uma cintada, uma humilhação, uma ofensa, um aperto em alguma parte do corpo.

 

Usar de violência é sempre errado, e a situação fica ainda pior quando há desigualdade de forças entre as pessoas. Quando uma pessoa maior e mais forte bate em outra menor e menos forte, é covardia. Quando um adulto bate em uma criança ou em um adolescente, é a maior das covardias. Quando uma mãe ou um pai bate em sua própria filha ou em seu próprio filho, é a pior forma de violência porque é praticada por quem deveria estar dando e ensinando amor, e não violência. 

 

Quando o funcionário faz algo errado ou de que não gostou o seu chefe, o funcionário não pode levar um tapa na cara ou uma cintada do chefe. Quando em um casal a companheira fez algo de que não gostou seu companheiro, o companheiro não pode lhe dar beliscões ou palmadas. Por que, então, uma mãe ou um pai acham que podem bater em sua filha ou em seu filho quando ela/ele fazem algo que o pai e a mãe não gostaram? Se o adulto pode errar na vida ou fazer algo de que discordou a outra pessoa, seja em seu trabalho, seja em seus relacionamentos, e isso não pode levar o adulto a apanhar da outra pessoa ou receber uma ameaça de que "se fizer isso você vai apanhar", por que o mesmo adulto, pai ou mãe, acham que a criança e o adolescente, que são pessoas em formação e desenvolvimento, podem apanhar quando fazem algo errado ou de que discordou sua mãe ou seu pai?

 

Além de ser o óbvio que não se pode bater em ninguém, principalmente quando esse alguém é uma criança e um adolescente, e cogitando-se que, infelizmente, há quem, por ignorância, despreparo e covardia, ainda, queira resolver conflitos mediante violência, o assunto também foi contemplado na lei, de maneira a ficar expressamente proibido bater em crianças e adolescentes.

 

A Constituição Federal (CF) estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado, ou seja, de todas as pessoas da sociedade, proteger as crianças e adolescentes, de quem quer que sejam filhas e filhos essas crianças e adolescentes, zelando por seus direitos e sua integridade física e salvando-as de qualquer violência a que se tenha conhecimento que possa estar acontecendo contra elas, inclusive, agindo de maneira a prevenir violência e ameaça a direitos contra qualquer criança e adolescente.

 

Dentre as condutas proibidas para o pai e para a mãe contra filha/filho, conforme estabelece o artigo 1638 do Código Civil, estão as de castigar imoderadamente sua/seu filha/filho, deixar em abandono e praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a criança e o adolescente devem ser educados e criados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, onde quer que estejam e sob a responsabilidade de quem quer que estejam. O ECA esclarece que castigo físico consiste no uso da força física, e a pessoa que se utilizar de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante contra criança e adolescente será responsabilizada cível e criminalmente, de acordo com o Código Penal, com o rol dos crimes previstos nos artigos 228 à 244-B do ECA, e o rol de infrações administrativas previstas nos artigos 245 à 258-C do ECA, e além dessas sanções, serão aplicadas as seguintes medidas à pessoa responsável: encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;  encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; encaminhamento a cursos ou programas de orientação; obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; advertência. 

 

Portanto, é errado, a lei proibe e todas as pessoas da sociedade têm o dever de impedir e denunciar violência física ou verbal que tenham conhecimento de que esteja ocorrendo contra crianças e adolescentes.

 

Raquel Montero  

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A PM tem que ser fiscalizada, também, por cada cidadã e cidadão


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 30.09.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:




Imagem: Reprodução

 


A Polícia Militar (PM) é uma instituição que tem o dever constitucional de impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, conforme artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, ao lidar com situações de conflito a PM vem demonstrando que muitas vezes só consegue provocar mais violência. Quem não ouviu ou viu sobre Amarildo, Agatha Félix, Luana Barbosa a festa de jovens em Paraisópolis, o fotógrafo baleado no olho? Isso só para ficar nesses cinco exemplos que tiveram repercussão internacional. Além desses casos existem os que não chegaram até a imprensa, os que não são denunciados pela vítima, os que não saem da esfera da corporação da PM.

 

Essas ações truculentas e monstruosas por parte de policiais militares seriam as consequências de um câncer que existe na instituição "PM", e o câncer, por sua vez, tem a sua causa. Essa causa é a origem de tudo, e como tal, tem que ser aprofundada e debatida no sentido de buscar a sua cura. A origem é a própria estrutura da PM, sua ideologia e sua concepção de função na sociedade. E foi sobre isso que nasceu o debate da desmilitarização da PM. Mas esse assunto não é o tema da presente reflexão. Esse assunto merece um aprofundamento exclusivo a ele.

 

 Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), em 2019, foram 848 denúncias contra policiais do Estado de São Paulo, abrangendo os policiais civis e militares, sendo que 714 delas foram contra policiais militares. Em 2018, foram 709 denúncias. Essas denúncias resultaram, só em 2019, em 510 policiais presos, demitidos ou expulsos das instituições. Já a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo registrou 1.115 denúncias contra policiais entre Janeiro e Julho de 2019. Essas denúncias são as que foram formalizadas, ou seja, há que se cogitar, ainda, sobre casos que podem não ter sido denunciados por receio e medo da vítima.

 

Se a função institucional e constitucional da PM é impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, a PM cumpre com sua função quando age com violência ou quando resulta violência de suas ações? Não, não cumpre. E agindo assim a quem serve e para que serve a PM? A segurança de quem a PM está fazendo agindo assim?

 

 Pode-se pensar; "mas a PM não age com violência, age no cumprimento do dever e dessa atuação pode resultar feridos". Não é cumprimento do dever quando alguém sai de uma ação policial ferido, ofendido ou morto. A PM não está autorizada a provocar esses resultados, isso não está dentro de seu dever institucional e constitucional. Quando esses resultados ocorrem é porque a PM agiu errado, miseravelmente errado, e descumpriu sua função.

 

Diante desse quadro miserável, para além da fiscalização feita pelos órgãos públicos competentes da Secretaria de Segurança Pública, da Ouvidoria da Polícia, da Corregedoria da Polícia, do Disque 100, do Ministério Público, das/dos parlamentares, e do julgamento do Poder Judiciário, nós, cidadãs e cidadãos, também temos que fiscalizar a PM e suas/seus policias militares, onde quer que estejam. É direito das pessoas fazer essa fiscalização, e, também, é dever.

 

É muito comum quando se passa perto de policiais militares nas ruas as pessoas passarem longe, abaixarem a cabeça, não encarar as/os policiais. Está errado. Temos o direito e o dever de olhar, encarar o que está sendo feito, fiscalizar o trabalho e a atuação das/dos policiais diante de suas abordagens e intervenções.

 

Policiais militares são agentes públicos/públicas que têm a função de servir ao interesse público e ao povo, devem respeito e satisfação à comunidade, às cidadãs e aos cidadãos, que são a razão de ser da existência de seu trabalho, que remuneram seus salários e que são os destinatários de suas ações.

 

E além de exercemos um direito e um dever ao fiscalizar o trabalho da PM, com essa atitude ainda estaremos contribuindo para tentar impedir e evitar abusos e arbitrariedades na ação policial, e, também, sendo solidários à outra pessoa, que está passando por uma abordagem policial. Hoje é com aquela pessoa, amanhã pode ser com nós mesmos. E se a/o policial militar estiver agindo corretamente não terá porque temer a ação fiscalizadora da cidadã e do cidadão, ao revés, se temer, é porque está fazendo algo errado, e ai, já devemos denunciar e pedir ajuda. Com fiscalização e participação popular o serviço público funciona melhor em qualquer lugar do mundo.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Entre homens e mulheres, a pandemia desequilibrou um pouco mais a balança


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 24.09.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/homens-e-mulheres-pandemia-desequilibrou-a-balanca/



Foto: Reprodução/Pixabay

 


Já tem muitas pesquisas sobre o assunto e que sempre atestam o mesmo resultado; no mundo, mesmo em países desenvolvidos, mulheres gastam quase o dobro do tempo que os homens em serviços domésticos e trabalho não remunerado (faxinar e cuidar de filhos seriam dois desses trabalhos sem remuneração que as mulheres fazem a mais que os homens). E as mulheres fazem isso mesmo tendo uma jornada de trabalho remunerada similar à dos homens: homens trabalham oito horas em média e mulheres sete horas e 45 minutos. A diferença é que desse conjunto de horas os homens trabalham 02 horas e 21 minutos sem remuneração e as mulheres 04 horas e 30 minutos (dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE).

 

No Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) essa diferença é ainda maior; as mulheres brasileiras gastam em média 26,6 horas semanais com trabalho doméstico enquanto os homens dedicam apenas 10,5 horas.

 

O que tem de novidade nisso? A pandemia.

 

A pandemia aumentou o peso na balança para o lado das mulheres. Foi o que apurou pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizada com mais de 40 mil pessoas que responderam a um questionário pela internet sobre as mudanças vividas durante o isolamento social no período da pandemia.

 

As mulheres relataram mais problemas no estado emocional. As que se sentem tristes ou frequentemente deprimidas foram 50% das entrevistadas, enquanto para os homens esse percentual chegou a 30%. O índice de quem disse ter sentido ansiedade ou nervosismo no período foi de 60% para as mulheres, chegando a 43% entre os homens.

 

Esses resultados podem ser explicados, entre outros fatores, pelo excesso de trabalho desempenhado pelas mulheres durante a pandemia: 26,4% das mulheres afirmam que o trabalho doméstico aumentou muito durante a pandemia, percentual mais de duas vezes maior que o dos homens, 13,1%. E esse aumento de trabalhos domésticos implica em dificuldades maiores também para a execução de atividades relacionadas ao emprego de forma geral, em especial quando há trabalho remunerado desempenhado em casa.

 

É uma mãe, uma filha, uma avó, uma neta, uma tia, uma sobrinha, uma vizinha, uma amiga, uma colega de trabalho, sempre é possível ver esse desgaste, esse desequilíbrio na balança, essa injustiça, essa, é dizer, também, essa exploração.

 

É, sim, injustiça e exploração. Dentro de uma casa, de um lar, em que pessoas convivem coletivamente, o casal, ascendentes, descendentes e ou outros parentes, todos sabem que os afazeres de uma casa não se realizam por si, para isso é necessário que alguém os execute, e se não é a própria pessoa que está fazendo, oras, é a outra, claro. E por que quem não faz se acha no direito de não fazer e acha justo que só a outra pessoa faça ou faça bem mais?

 

Meninos e homens, crianças e adultos, não são capazes de limpar a casa, cuidar da roupa, fazer comida e auxiliar as pessoas idosas da família? Por que essas tarefas só cabem às mulheres e as meninas das famílias?

 

Se meninos e homens não são capazes disso, também não estão capacitados para ir para a vida, viver e crescer, porque a vida, lá fora, seja em relações pessoais, seja em relações profissionais, muito mais do que o ambiente familiar, pede pessoas que saibam viver de maneira coletiva, fraterna, solidária, dividindo tarefas, compartilhando conhecimento e somando forças. A vida faz essa seleção naturalmente, assim como está demonstrando que esse modelo de família, desde sempre errado, é visto cada vez mais como arcaico e anacrônico.

 

Só quem saiba viver assim vai conseguir viver minimamente bem nas relações e em paz consigo, e construir boas relações. Não haverá paz, e nem progresso, com relações injustas e desequilibradas. 

 

Nem mais, nem menos, apenas tratamento igual entre meninos e meninas, entre homens e mulheres. Ninguém acima de ninguém, apenas iguais em oportunidades e respeito.

 

Raquel Montero

terça-feira, 4 de agosto de 2020

NUMA PANDEMIA, QUEM SE AGLOMERA NÃO AMA NINGUÉM, NEM A SI


Imagem: Reprodução




As autoridades médicas e sanitárias, nacionais e internacionais, e a Organização Mundial da Saúde (OMS), entidade séria de abrangência internacional e respeitada em todo o mundo, já atestaram que as medidas mais eficazes contra o Coronavírus são o isolamento e a quarentena, simplesmente porque essas medidas combatem que o vírus se prolifere, passando de pessoa para pessoa quando estas se encontram e ficam próximas.
 
Apesar dessas instruções, dadas por profissionais das áreas competentes, que tem conhecimento técnico para tanto, têm pessoas que ainda ousam descumprir as instruções médicas, sem apresentar fundamentos que conteste as instruções médicas, por mera disposição da vontade, ou capricho. Dentre as pessoas que descumprem está, lastimavelmente, o próprio presidente do Brasil, que não é médico, mas, por pura vontade, e sem apoio de nem mesmo os ministros da Saúde que ele mesmo escolheu, demonstrando querendo fazer queda de braço, ousa descumprir as recomendações de quem tem formação em Medicina.
 
Desde que começou a quarentena e o isolamento foram muitas as aparições de Bolsonaro em público sem máscara, indo para o abraço, pegando criança no colo, formando aglomerações, tirando fotos com o rosto colado em outros rostos, enfim, dando seus shows de maus exemplos, colocando vidas em risco, disseminando comportamentos errados e envergonhando o Brasil diante do mundo. 
 
Se o próprio presidente dá mau exemplo é difícil não esperar um efeito cascata de seus comportamentos. O efeito cascata, no entanto, não tem que acontecer, vai vir de uma atitude irrefletida, de quem, como costuma-se dizer "não pensou antes de agir", e ai, age por mera repetição, sem reflexão, como um robô seguindo um mito. Por outro lado, refletir antes de tomar atitudes podem romper ou impedir a repetição de comportamentos maléficos.
 
Immanuel Kant escreveu certa vez que "esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo." (Immanuel Kant, Textos Seletos, 7º Edição, Petrópolis, Vozes, 2011, pag. 63). Esclarecimento vem da reflexão, da busca pelo entendimento, busca essa deságua nas águas libertadoras da emancipação.
 
Ora, se as autoridades médicas atestaram, com fundamentos técnicos e científicos, e assim, portanto, com embasamento e não com "achismos" como faz Bolsonaro, que as medidas mais eficazes para combater o Coronavírus é a quarentena e o isolamento, por que nadar contra a maré?
 
A razão de Bolsonaro de ir contra as instruções médicas, inclusive ir contra a orientação de seus próprios ministros da Saúde, parece bem clara, uma típica birra, manha, de quem não gosta de ser contrariado e ai faz queda de braço ou pega a bola do jogo e vai embora. Mas e as pessoas que agem do mesmo jeito que Bolsonaro em plena pandemia, com quase 95 mil mortes no Brasil e 385 mortes em Ribeirão Preto/SP, cidade de onde escrevo essas palavras, por que agem assim? As redes sociais e a imprensa todo dia dão notícias de pessoas se aglomerando em festas particulares, de maneira disfarçada perto de um bar ou de uma loja de conveniência de posto de combustível, nas sacadas de prédios.
 
Em um dos fatos mais recentes pessoas se aglomeraram em um evento particular que transmitiu num telão uma dupla sertaneja e as pessoas entraram no evento para assistir de dentro de seus carros a gravação transmitida no telão. Cada carro pagou R$ 500,00 para entrar no evento, e pouco tempo depois de começar a gravação muitas pessoas saíram de dentro dos carros e se aglomeraram sem máscara.
 
O que é flagrante ver em comportamentos como esses, diante de uma pandemia e de milhares de vidas que já se foram, é a expressão da total irresponsabilidade e desrespeito com a vida, das outras pessoas e da própria pessoa, além da ausência de solidariedade e empatia. E na somatória desses valores, ou da falta deles, o que temos é a ausência de amor. Um comportamento desse não mostra amor por ninguém, nem a si. E na ausência de amor o que fica é a carência afetiva. Carência que, inclusive, faz pessoas querem se aglomerar e gastar R$ 500,00 numa atividade de recreação durante uma pandemia que já destruiu milhares de vidas e construiu em seu lugar milhares de covas.
 
Diante dos fatos, é necessário dizer, novamente, mais amor, por favor.
 

       Raquel Montero