Raquel Montero

Raquel Montero

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A PM tem que ser fiscalizada, também, por cada cidadã e cidadão


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 30.09.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:




Imagem: Reprodução

 


A Polícia Militar (PM) é uma instituição que tem o dever constitucional de impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, conforme artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, ao lidar com situações de conflito a PM vem demonstrando que muitas vezes só consegue provocar mais violência. Quem não ouviu ou viu sobre Amarildo, Agatha Félix, Luana Barbosa a festa de jovens em Paraisópolis, o fotógrafo baleado no olho? Isso só para ficar nesses cinco exemplos que tiveram repercussão internacional. Além desses casos existem os que não chegaram até a imprensa, os que não são denunciados pela vítima, os que não saem da esfera da corporação da PM.

 

Essas ações truculentas e monstruosas por parte de policiais militares seriam as consequências de um câncer que existe na instituição "PM", e o câncer, por sua vez, tem a sua causa. Essa causa é a origem de tudo, e como tal, tem que ser aprofundada e debatida no sentido de buscar a sua cura. A origem é a própria estrutura da PM, sua ideologia e sua concepção de função na sociedade. E foi sobre isso que nasceu o debate da desmilitarização da PM. Mas esse assunto não é o tema da presente reflexão. Esse assunto merece um aprofundamento exclusivo a ele.

 

 Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), em 2019, foram 848 denúncias contra policiais do Estado de São Paulo, abrangendo os policiais civis e militares, sendo que 714 delas foram contra policiais militares. Em 2018, foram 709 denúncias. Essas denúncias resultaram, só em 2019, em 510 policiais presos, demitidos ou expulsos das instituições. Já a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo registrou 1.115 denúncias contra policiais entre Janeiro e Julho de 2019. Essas denúncias são as que foram formalizadas, ou seja, há que se cogitar, ainda, sobre casos que podem não ter sido denunciados por receio e medo da vítima.

 

Se a função institucional e constitucional da PM é impedir a violência, buscar a segurança e prevenir o crime, a PM cumpre com sua função quando age com violência ou quando resulta violência de suas ações? Não, não cumpre. E agindo assim a quem serve e para que serve a PM? A segurança de quem a PM está fazendo agindo assim?

 

 Pode-se pensar; "mas a PM não age com violência, age no cumprimento do dever e dessa atuação pode resultar feridos". Não é cumprimento do dever quando alguém sai de uma ação policial ferido, ofendido ou morto. A PM não está autorizada a provocar esses resultados, isso não está dentro de seu dever institucional e constitucional. Quando esses resultados ocorrem é porque a PM agiu errado, miseravelmente errado, e descumpriu sua função.

 

Diante desse quadro miserável, para além da fiscalização feita pelos órgãos públicos competentes da Secretaria de Segurança Pública, da Ouvidoria da Polícia, da Corregedoria da Polícia, do Disque 100, do Ministério Público, das/dos parlamentares, e do julgamento do Poder Judiciário, nós, cidadãs e cidadãos, também temos que fiscalizar a PM e suas/seus policias militares, onde quer que estejam. É direito das pessoas fazer essa fiscalização, e, também, é dever.

 

É muito comum quando se passa perto de policiais militares nas ruas as pessoas passarem longe, abaixarem a cabeça, não encarar as/os policiais. Está errado. Temos o direito e o dever de olhar, encarar o que está sendo feito, fiscalizar o trabalho e a atuação das/dos policiais diante de suas abordagens e intervenções.

 

Policiais militares são agentes públicos/públicas que têm a função de servir ao interesse público e ao povo, devem respeito e satisfação à comunidade, às cidadãs e aos cidadãos, que são a razão de ser da existência de seu trabalho, que remuneram seus salários e que são os destinatários de suas ações.

 

E além de exercemos um direito e um dever ao fiscalizar o trabalho da PM, com essa atitude ainda estaremos contribuindo para tentar impedir e evitar abusos e arbitrariedades na ação policial, e, também, sendo solidários à outra pessoa, que está passando por uma abordagem policial. Hoje é com aquela pessoa, amanhã pode ser com nós mesmos. E se a/o policial militar estiver agindo corretamente não terá porque temer a ação fiscalizadora da cidadã e do cidadão, ao revés, se temer, é porque está fazendo algo errado, e ai, já devemos denunciar e pedir ajuda. Com fiscalização e participação popular o serviço público funciona melhor em qualquer lugar do mundo.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Entre homens e mulheres, a pandemia desequilibrou um pouco mais a balança


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 24.09.2020. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/homens-e-mulheres-pandemia-desequilibrou-a-balanca/



Foto: Reprodução/Pixabay

 


Já tem muitas pesquisas sobre o assunto e que sempre atestam o mesmo resultado; no mundo, mesmo em países desenvolvidos, mulheres gastam quase o dobro do tempo que os homens em serviços domésticos e trabalho não remunerado (faxinar e cuidar de filhos seriam dois desses trabalhos sem remuneração que as mulheres fazem a mais que os homens). E as mulheres fazem isso mesmo tendo uma jornada de trabalho remunerada similar à dos homens: homens trabalham oito horas em média e mulheres sete horas e 45 minutos. A diferença é que desse conjunto de horas os homens trabalham 02 horas e 21 minutos sem remuneração e as mulheres 04 horas e 30 minutos (dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE).

 

No Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) essa diferença é ainda maior; as mulheres brasileiras gastam em média 26,6 horas semanais com trabalho doméstico enquanto os homens dedicam apenas 10,5 horas.

 

O que tem de novidade nisso? A pandemia.

 

A pandemia aumentou o peso na balança para o lado das mulheres. Foi o que apurou pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizada com mais de 40 mil pessoas que responderam a um questionário pela internet sobre as mudanças vividas durante o isolamento social no período da pandemia.

 

As mulheres relataram mais problemas no estado emocional. As que se sentem tristes ou frequentemente deprimidas foram 50% das entrevistadas, enquanto para os homens esse percentual chegou a 30%. O índice de quem disse ter sentido ansiedade ou nervosismo no período foi de 60% para as mulheres, chegando a 43% entre os homens.

 

Esses resultados podem ser explicados, entre outros fatores, pelo excesso de trabalho desempenhado pelas mulheres durante a pandemia: 26,4% das mulheres afirmam que o trabalho doméstico aumentou muito durante a pandemia, percentual mais de duas vezes maior que o dos homens, 13,1%. E esse aumento de trabalhos domésticos implica em dificuldades maiores também para a execução de atividades relacionadas ao emprego de forma geral, em especial quando há trabalho remunerado desempenhado em casa.

 

É uma mãe, uma filha, uma avó, uma neta, uma tia, uma sobrinha, uma vizinha, uma amiga, uma colega de trabalho, sempre é possível ver esse desgaste, esse desequilíbrio na balança, essa injustiça, essa, é dizer, também, essa exploração.

 

É, sim, injustiça e exploração. Dentro de uma casa, de um lar, em que pessoas convivem coletivamente, o casal, ascendentes, descendentes e ou outros parentes, todos sabem que os afazeres de uma casa não se realizam por si, para isso é necessário que alguém os execute, e se não é a própria pessoa que está fazendo, oras, é a outra, claro. E por que quem não faz se acha no direito de não fazer e acha justo que só a outra pessoa faça ou faça bem mais?

 

Meninos e homens, crianças e adultos, não são capazes de limpar a casa, cuidar da roupa, fazer comida e auxiliar as pessoas idosas da família? Por que essas tarefas só cabem às mulheres e as meninas das famílias?

 

Se meninos e homens não são capazes disso, também não estão capacitados para ir para a vida, viver e crescer, porque a vida, lá fora, seja em relações pessoais, seja em relações profissionais, muito mais do que o ambiente familiar, pede pessoas que saibam viver de maneira coletiva, fraterna, solidária, dividindo tarefas, compartilhando conhecimento e somando forças. A vida faz essa seleção naturalmente, assim como está demonstrando que esse modelo de família, desde sempre errado, é visto cada vez mais como arcaico e anacrônico.

 

Só quem saiba viver assim vai conseguir viver minimamente bem nas relações e em paz consigo, e construir boas relações. Não haverá paz, e nem progresso, com relações injustas e desequilibradas. 

 

Nem mais, nem menos, apenas tratamento igual entre meninos e meninas, entre homens e mulheres. Ninguém acima de ninguém, apenas iguais em oportunidades e respeito.

 

Raquel Montero

terça-feira, 4 de agosto de 2020

NUMA PANDEMIA, QUEM SE AGLOMERA NÃO AMA NINGUÉM, NEM A SI


Imagem: Reprodução




As autoridades médicas e sanitárias, nacionais e internacionais, e a Organização Mundial da Saúde (OMS), entidade séria de abrangência internacional e respeitada em todo o mundo, já atestaram que as medidas mais eficazes contra o Coronavírus são o isolamento e a quarentena, simplesmente porque essas medidas combatem que o vírus se prolifere, passando de pessoa para pessoa quando estas se encontram e ficam próximas.
 
Apesar dessas instruções, dadas por profissionais das áreas competentes, que tem conhecimento técnico para tanto, têm pessoas que ainda ousam descumprir as instruções médicas, sem apresentar fundamentos que conteste as instruções médicas, por mera disposição da vontade, ou capricho. Dentre as pessoas que descumprem está, lastimavelmente, o próprio presidente do Brasil, que não é médico, mas, por pura vontade, e sem apoio de nem mesmo os ministros da Saúde que ele mesmo escolheu, demonstrando querendo fazer queda de braço, ousa descumprir as recomendações de quem tem formação em Medicina.
 
Desde que começou a quarentena e o isolamento foram muitas as aparições de Bolsonaro em público sem máscara, indo para o abraço, pegando criança no colo, formando aglomerações, tirando fotos com o rosto colado em outros rostos, enfim, dando seus shows de maus exemplos, colocando vidas em risco, disseminando comportamentos errados e envergonhando o Brasil diante do mundo. 
 
Se o próprio presidente dá mau exemplo é difícil não esperar um efeito cascata de seus comportamentos. O efeito cascata, no entanto, não tem que acontecer, vai vir de uma atitude irrefletida, de quem, como costuma-se dizer "não pensou antes de agir", e ai, age por mera repetição, sem reflexão, como um robô seguindo um mito. Por outro lado, refletir antes de tomar atitudes podem romper ou impedir a repetição de comportamentos maléficos.
 
Immanuel Kant escreveu certa vez que "esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo." (Immanuel Kant, Textos Seletos, 7º Edição, Petrópolis, Vozes, 2011, pag. 63). Esclarecimento vem da reflexão, da busca pelo entendimento, busca essa deságua nas águas libertadoras da emancipação.
 
Ora, se as autoridades médicas atestaram, com fundamentos técnicos e científicos, e assim, portanto, com embasamento e não com "achismos" como faz Bolsonaro, que as medidas mais eficazes para combater o Coronavírus é a quarentena e o isolamento, por que nadar contra a maré?
 
A razão de Bolsonaro de ir contra as instruções médicas, inclusive ir contra a orientação de seus próprios ministros da Saúde, parece bem clara, uma típica birra, manha, de quem não gosta de ser contrariado e ai faz queda de braço ou pega a bola do jogo e vai embora. Mas e as pessoas que agem do mesmo jeito que Bolsonaro em plena pandemia, com quase 95 mil mortes no Brasil e 385 mortes em Ribeirão Preto/SP, cidade de onde escrevo essas palavras, por que agem assim? As redes sociais e a imprensa todo dia dão notícias de pessoas se aglomerando em festas particulares, de maneira disfarçada perto de um bar ou de uma loja de conveniência de posto de combustível, nas sacadas de prédios.
 
Em um dos fatos mais recentes pessoas se aglomeraram em um evento particular que transmitiu num telão uma dupla sertaneja e as pessoas entraram no evento para assistir de dentro de seus carros a gravação transmitida no telão. Cada carro pagou R$ 500,00 para entrar no evento, e pouco tempo depois de começar a gravação muitas pessoas saíram de dentro dos carros e se aglomeraram sem máscara.
 
O que é flagrante ver em comportamentos como esses, diante de uma pandemia e de milhares de vidas que já se foram, é a expressão da total irresponsabilidade e desrespeito com a vida, das outras pessoas e da própria pessoa, além da ausência de solidariedade e empatia. E na somatória desses valores, ou da falta deles, o que temos é a ausência de amor. Um comportamento desse não mostra amor por ninguém, nem a si. E na ausência de amor o que fica é a carência afetiva. Carência que, inclusive, faz pessoas querem se aglomerar e gastar R$ 500,00 numa atividade de recreação durante uma pandemia que já destruiu milhares de vidas e construiu em seu lugar milhares de covas.
 
Diante dos fatos, é necessário dizer, novamente, mais amor, por favor.
 

       Raquel Montero 


terça-feira, 28 de julho de 2020

PRIVATIZAR AS TELECOMUNICAÇÕES TROUXE MAIS QUALIDADE AO SERVIÇO?

Em leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em 1.998, comemoração pela venda de empresa do Sistema Telebras.
Foto: Reprodução/Rosane Marinho/Folha Imagem



O Governador do Estado de São Paulo, João Dória, do PSDB, desde que foi eleito em 2.018, declarou que quer privatizar tudo que puder no estado. Em âmbito nacional, Paulo Guedes, o Ministro da Economia do governo do Presidente Bolsonaro (sem partido), anunciou, no início de 2.019, primeiro ano do governo para o qual foi nomeado ministro, que quer vender as principais estatais federais brasileiras.
 
Ambos, Governador João Dória e o Ministro Paulo Guedes, fundamentam as privatizações que querem fazer com base em lucros que a venda das empresas estatais traria e com base em melhor funcionamento dos serviços sob gestão do setor privado. Tais defesas também são utilizadas, de modo geral, pelas pessoas que defendem a privatização como caminho para esses objetivos, transformando, assim, a privatização, como solução para trazer mais faturamento para o País e mais qualidade no serviço prestado.
 
Mas a privatização leva mesmo à esses resultados? Qual serviço público que foi privatizado melhorou ao ser privatizado? O modelo estatal não está, mesmo, de forma generalizada, levando à esses resultados? Se há problemas na empresa estatal, assim como existem aos montes nas empresas privadas, o certo a ser feito é resolver o problema na empresa ou descartar a empresa junto com o problema? Quando se lava o bebê, descarta-se o bebê junto com a água suja ou só descarta a água suja?
 
  Nesse sentido, temos o exemplo das telecomunicações que, em 1.998, durante o governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, privatizou o serviço sob os mesmos fundamentos repetidos por Dória e Guedes. No entanto, em pesquisa que realizamos sobre as reclamações feitas por consumidoras e consumidores nos Procons do Brasil entre os anos de 2.004 à 2.019, portanto, 16 anos, constatamos que a empresa privada de telefonia OI (fixo/celular) constou como empresa mais reclamada do Brasil no cadastro geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC), por vários anos, inclusive, alguns anos consecutivos, totalizando 12 listas anuais de um total de 16 listas anuais ocupando o primeiro lugar como empresa mais reclamada do Brasil, e, com exceção do ano de 2.011, todas as demais listas anuais de empresas mais reclamadas do Brasil tiveram como empresa mais reclamada, empresas de telecomunicações.
 
SINDEC se trata de um banco de dados da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que foi criado para sistematizar e integrar a ação dos Procons do Brasil com o objetivo de criar um banco de dados para subsidiar a elaboração e implementação de políticas públicas na defesa das consumidoras e dos consumidores. O SINDEC, então, registra os atendimentos individuais prestados a consumidoras e consumidores que recorrem aos Procons de todo o Brasil através da conexão e articulação entre os Procons dos municípios, que gera informações que são concentradas nos bancos de dados dos Procons estaduais e repassados para a base nacional de dados do SINDEC.
 
Com base neste banco de dados do SINDEC a pesquisa constatou, também, que nos 10 (dez) primeiros lugares da listagem das empresas mais reclamadas do Brasil, quatro a cinco colocações nas 16 listas anuais são ocupados por empresas privadas de telecomunicações.
 
A telefonia fixa e a telefonia celular, competindo com serviços essenciais, constou como o assunto mais reclamado na maioria das 16 listas anuais, alternando, a telefonia fixa e a telefonia celular, ora uma, ora outra, entre o primeiro, o segundo e o terceiro assunto mais reclamado nas 16 listas anuais, e, ora uma, ora outra, figuraram em primeiro lugar na classificação de assuntos mais reclamados por 09 listas anuais de um total de 16 anos de listas anuais.
 
A área de telecomunicações, abrangendo todas as modalidades - telefonia fixa, telefonia, celular, tv por assinatura e internet (produtos e serviços) - e competindo com áreas de serviços essenciais, alternou entre o primeiro, o segundo e o terceiro lugar de área mais reclamada nos 16 anos de listas anuais, ficando por 04 (quatro) anos no primeiro lugar das áreas mais reclamadas, por 04 (quatro) anos no segundo lugar das áreas mais reclamadas e por 08 (oito) anos no terceiro lugar das áreas mais reclamadas.
 
Assim, bom base nesses resultados, é possível afirmar que a privatização das telecomunicações trouxe mais qualidade ao serviço? Por esses resultados, a privatização, como alternativa à melhor ou mais qualidade na prestação do serviço, em substituição às empresas estatais, demonstrou não garantir e atingir essa finalidade para a qual ela foi colocada como caminho ou alternativa, ou, quase que como uma panacéia ou cura. 
 
Raquel Montero

sexta-feira, 26 de junho de 2020

CORONAVÍRUS E FAVELAS; O QUE SE QUIS IGNORAR VIROU SOMBRA NO DESTINO

Foto: Reprodução



O crescimento desigual do Brasil vem, desde a abolição da escravatura, perpetuando hierarquias sociais. No cenário de hierarquias temos, em outro extremo da balança, as favelas brasileiras, onde moram pessoas privadas da presença do Estado e dos serviços públicos, onde a violação do direito à cidade é constante. E agora, nessas mesmas favelas, o contágio pelo Coronavírus é constante. Dados de 21 de Maio de 2.020 apontavam que só as mortes contabilizadas nas favelas do Rio de Janeiro já somavam óbitos superiores ao de 15 estados brasileiros.
 
Favelas são o habitat de milhões de brasileiras e brasileiros sem opção para morar de outra forma (ou alguém escolhe viver em favela?). Favelas existem em decorrência de um processo de urbanização desigual e demais desigualdades sociais. É o reflexo contundente e categórico do conjunto dessas desigualdades. É também o reflexo e o resultado de governos incompetentes.
 
Na tentativa de não vê-las ou escondê-las, bem como, de esconder o resultado de governos incompetentes, é comum que elas existam nas periferias das cidades, locais afastados de tudo e de todas as pessoas. Se pudessem, a maioria dos governos não a permitiriam nem nas periferias, mas como eles não têm como esconder essas pessoas em outro lugar, e em algum lugar essas pessoas têm que morar, deixam que elas "existam", ou, "sobrevivam", nas periferias. Essa foi a saída encontrada para esconder essas pessoas e ao mesmo tempo esconder as mazelas que evidenciam uma urbanização desigual e uma má gestão governamental.
 
Todavia, as farsas não permanecem por muito tempo. Como já registrado na História, "se pode enganar todas as pessoas por um tempo, se pode enganar algumas pessoas o tempo todo, mas, não se pode enganar todas as pessoas o tempo todo".
 
Como continuar ignorando as favelas agora, que elas são um espaço de contágio rápido e crescente pelo Coronavírus? Como continuar ignorando que pessoas que vivem nas favelas são também as mesmas pessoas que fazem parte da classe trabalhadora que movimenta as engrenagens da economia do País? São pessoas que vivem nas favelas as mesmas que limpam as casas e cuidam das crianças das famílias da zona sul, outro extremo da cidade.
 
Foi ignorado até agora, mas, em tempo de mais de 50 mil mortes no Brasil ocasionadas pelo Coronavírus, como continuar ignorando que apenas 39% das moradias brasileiras têm acesso a tratamento de esgoto, segundo dados de 2.013 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)? Como continuar ignorando que nas favelas nem esgoto encanado tem, o que dirá tratado?
 
Como ignorar agora que a principal medida, a mais eficaz, segundo as autoridades médicas e sanitárias, para combater o contágio pelo Coronavírus, é o isolamento, e como falar de isolamento nas favelas, com famílias de cinco pessoas que dividem um mesmo cômodo?
 
Como uma crônica ou ironia, como profetizado pelo renomado psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung, "o que se quis ignorar virou sombra no destino". Poderosas e poderosos governantes, com o poder nas mãos para governar, há tempos vêm ignorando a existência dessas pessoas e relegando-as às periferias das cidades, onde elas ficam desprovidas da presença do Estado e do acesso a direitos fundamentais para uma existência digna, até que foram vencidas/vencidos, olha só, por um ser microscópico, que não só escancarou incompetentes governantes como igualou todas as pessoas, ricos e pobres, no mesmo risco de contágio. Na ausência de governos democráticos, tivemos um vírus democrático.
 
      Raquel Montero 

terça-feira, 9 de junho de 2020

TEM VÁRIAS FORMAS DE SE PROSTITUIR, A PELO SEXO É SÓ UMA DELAS


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 10.06.2020. No Tribuna o artigo também pode ser acessado pela internet através do link:



Imagem: Reprodução



No ano passado foi arquivado o Projeto de Lei n° 4211 de 2.012, de autoria do ex-Deputado Federal Jean Wyllys, que tramitava na Câmara Federal. Citado projeto de lei trata da regulamentação da atividade das/dos profissionais do sexo, batizado de "Lei Gabriela Leite", em homenagem à escritora, presidente da organização não governamental Davida, e ex-aluna de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), que se tornou profissional do sexo aos 22 anos. Gabriela foi muito ativa na luta pelos direitos das/dos profissionais do sexo e morreu em 2.013.

O projeto de lei foi arquivado por ter se encerrado a legislatura sob a qual o projeto estava tramitando e ele não ter sido votado no plenário da Câmara Federal durante a legislatura que findou.

Durante sua tramitação houve muitos debates e polêmicas entre opositores e defensores da regulamentação da atividade. Os debates são os canais por onde circula a energia que cria luz sobre as discussões. E esse aspecto faz dos projetos de lei bons instrumentos para semear e fomentar reflexões na sociedade e abrir caminhos para a sua evolução.

A atividade das/dos profissionais do sexo existe. Seu reconhecimento fez com que em 2.002 o Código Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho incluísse as/os profissionais do sexo no seu rol de profissões. Ela existe, portanto, e a parte da sociedade que quer ignorá-la, estigmatizá-la e marginalizá-la é a mesma sociedade que recorre a ela. Sua existência nunca deixou de ser fomentada e alimentada pela própria sociedade que a condena. Na narrativa mais antiga produzida pela humanidade, a Bíblia, a atividade já é citada, o que faz com que ela seja falada como a profissão mais antiga do mundo.

Assim sendo, seria positivo tal projeto retornar ao cenário dos debates e verificarmos qual a melhor maneira de tratar essa situação. Um debate honesto, sem fundamentalismo, sem moralismo, sem hipocrisia, sem demagogia, mas, sim, objetivando o melhor para essa situação, resguardando direitos, protegendo a dignidade da pessoa e condições de progresso social.

Um debate honesto pode proporcionar, de fato, reflexões na sociedade, e são as reflexões que dilatam nossas percepções nos permitindo enxergar além do que já sabemos ou do que sabemos com deturpações. Reflexões sobre este assunto, podem, ainda, fazer a sociedade se confrontar com suas contradições e hipocrisias, levando-a a choques salutares, senão vejamos na sequência.

A atividade das/dos profissionais do sexo é mais chamada de prostituição. Ao buscarmos pelo significado da palavra "prostituir" temos: "1.Entregar-se a ou manter relações sexuais em troca de dinheiro; 2.Rebaixar(-se) moralmente; degradar(-se), corromper(-se) (Mini Dicionário Houaiss, Rio de Janeiro, 2.012, 4º edição). Prostituir-se, então, se dá tanto em uma relação sexual praticada mediante pagamento, quanto em atos de rebaixamento moral, de degradação, de corrupção.

Então, nos demais sentidos de "prostituir" podemos citar como exemplos um advogado que defende um caso que sabe ser errado, vendendo seu intelecto em troca de dinheiro, as pessoas que comercializam os cigarros de nicotina que causam mal à saúde, as pessoas que vendem refrigerante que causam mal à saúde, as pessoas que se casam sem amor, as pessoas que aceitam fazer propaganda para vender produtos que causam mal às crianças, as pessoas que trabalham em um serviço público sem vocação ou sem gostarem do que faz, apenas pelo dinheiro e prestando mal o serviço, as pessoas que em uma eleição trocam votos por vantagens ou dinheiro, assim como um deputado que vota um projeto de lei em troca de dinheiro, uma médica que aceita agrados da indústria farmacêutica, a mesma indústria que produz as drogas que são vendidas às pessoas após serem receitadas pela classe médica. Todos estes comportamentos seriam atos de corrupção, imorais, degradantes, e as pessoas que se comportam assim estariam se corrompendo por dinheiro, ou, se prostituindo.

Se há tantas formas de prostituição existentes na sociedade por que só uma causa polêmica e incomoda essa mesma sociedade? Não será o casamento sem amor uma das formas mais tristes de corrupção e que pode levar a tantas outras mazelas ainda piores,  já que do casamento vem a família e a família é a base da sociedade?

Um debate honesto levará a sociedade a reflexões, e, também, às suas contradições e hipocrisias. Mais uma chance para a evolução.

Raquel Montero

segunda-feira, 1 de junho de 2020

FEMINISMO É UMA JORNADA DE AMOR E IGUALDADE


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 03.06.2020. No Tribuna o artigo também pode ser acessado pela internet através do link:
 



Imagem: Reprodução



O feminismo em nada se refere ao que algumas pessoas propagam sobre ele, ou seja, "feminismo é ser contra homem, é odiar homem". Nada disso. Feminismo é a busca pela igualdade entre homens e mulheres, é a ideia amorosa de que é possível que mulheres e homens sejam pessoas tratadas com igualdade e igualmente respeitadas. Igualdade de oportunidades, igualdades sociais, políticas e econômicas.

E essa luta é necessária porque ainda não temos na sociedade essa igualdade e respeito, ao contrário. Temos uma cultura que responsabiliza a mulher pela jornada dupla de trabalho, que responsabiliza apenas a mulher pela higiene da casa e cuidados com os filhos e filhas, e não cobra o mesmo dos homens, como se eles fossem imunes a isso ou incapazes disso. Uma cultura que cobra da mulher acerca de seus próprios corpos, padronizando como eles devem ser; o tamanho do peito e da bunda, induzindo mulheres a colocar silicones se estes não se encaixarem no padrão cobrado; corpo magro;  cintura fina; cabelo comprido e liso, e por ai vai. E cobra o comportamento também: não pode rir muito alto, não pode dançar com muita sensualidade, no estilo do slogan "bela, recatada e do lar". E os comportamentos impostos, quando não cumpridos pelas mulheres, podem ser utilizados contra elas para justificar assédios, abusos, violências e estupros cometidos pelos homens.

 Por outro lado, vejamos os homens, não demonstram preocupação com seus corpos e comportamentos, demonstrando estarem convictos de que merecem ser amados como são. E por que essa cobrança das mulheres, então? Há uma hierarquia entre homens e mulheres que faz com que homens possam cobrar mais beleza e perfeição das mulheres?

A mesma cultura responsabiliza a mulher pelo estupro que sofreu; "foi porque a saia era muito curta". Responsabiliza a mulher pela violência que sofreu do companheiro; "ele pode não saber porque bateu, mas ela sabe porque apanhou". Responsabiliza a mulher pelo assédio que sofre do chefe: "foi assediada porque namorou um colega de trabalho, então, deu margem a isso."

Nessa mesma sociedade a mulher adoece porque foi assediada e perseguida pelo chefe, a mulher é assediada no transporte coletivo, onde entra no ônibus e pode sair com a roupa manchada pelo sêmen de um homem que nunca viu. E a cobrança sobre a sexualidade da mulher, como se fosse algo público que qualquer pessoa pudesse dar opinião. Por que homens são criados para "pegar todas" e mulheres são criadas para serem puras e castas?

O relatório da Oxfam Brasil, baseado em dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio Contínua (PNAD) de 2.016 e 2.017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as mulheres, desempenhando o mesmo trabalho que os homens, ganham, em média, 72% do que ganham os homens no Brasil. As mulheres negras, desempenhando o mesmo trabalho que mulheres brancas, ganham ainda 30% a menos do que ganham as mulheres brancas.

O PNAD mostra, ainda, que mais de 40% das famílias brasileiras são chefiadas por mulher, destes lares 26,8% são compostos por mães que criam sozinhas filhos e filhas. 6 milhões de crianças sequer têm o registro do pai na certidão de nascimento. E com relação à esses homens a sociedade cobra tão pouco, quando pagam pensão alimentícia já são considerados heróis. Já se é a mãe que tem o mesmo comportamento, é crucifixada.  

Isso tudo é certo? É justo? O feminismo entende que não e por isso defende a mudança dessa realidade. Essa é a luta do feminismo, ninguém acima de ninguém, apenas iguais em oportunidades e respeito.

       Raquel Montero