Raquel Montero

Raquel Montero

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Toma que o filho é teu, mãe




Recentemente, em uma audiência de tentativa de conciliação sobre uma ação de guarda movida pelo cliente para o qual advogo, vivenciei situação deprimente, a qual eu nunca mais quero vivenciar. Na ação, meu cliente é o pai de uma criança e pretende com a ação a guarda compartilhada da criança.

Antes de ajuizarmos a ação fiz algo que sempre faço e tenho como diretriz para a advocacia, ou seja, tentei um consenso entre o pai e a mãe. O consenso, contudo, não foi possível e restou a ação judicial como via para tentar resolver o conflito entre as partes.

Por razões plausíveis meu cliente pretendeu regularizar a guarda compartilhada da criança, porque, na prática, pai e mãe já a exerciam. No entanto, a mãe não concordou com a formalização e o conflito se instaurou. Isso acontece nas separações dos casais. Com a separação vem mudanças e até nos adaptarmos a elas alguns conflitos podem acontecer. Isso não me surpreende nem me chateia, ao contrário, vejo como algo normal em decorrência de mudanças, e algo que também é absolutamente possível de ser apaziguado com o tempo, diálogo e vontade. Minha tristeza, e também indignação, veio com a conciliadora que atendeu meu cliente e a mãe da criança no forum.

Meu cliente, é não é porque é meu cliente, mas porque é fato, apresentava, sobre vários aspectos, melhores condições do que a mãe para estar com a criança, inclusive mais tempo para isso. Até por apresentar melhores condições é que aceite defendê-lo, por acreditar que a guarda que ele pretende realmente é o melhor para a criança. Ao mesmo tempo, em nenhum momento meu cliente quis atrapalhar ou censurar o convívio da criança com a mãe, ao contrário, quis a guarda compartilhada justamente para dividir a guarda com mãe, senão desde o início iria requerer a guarda unilateral. Meu cliente sempre valorizou a mãe da criança e prestigiou sua importância na criação da criança, fez isso inclusive, durante a citada audiência de conciliação. Meu cliente sempre entendeu que a criança precisa de ambos, pai e mãe, e que um não exclui o outro, ao revés, se completam na criação dos filhos. Todavia, não é assim que entendeu ou entende a conciliadora que os atendeu na audiência.

No resumo da audiência, após ouvir as partes, e, como eu disse, mesmo meu cliente apresentando melhores condições para cuidar da criança, a conciliadora disse para mim;

"mas ela é mãe e quer ficar com a criança...",

então eu disse; "sim, e meu cliente é pai, e também quer ficar com a criança...".

A conciliadora; "sim, Dra., mas ela é mãe...",

e eu; "sim, e ele é pai...",

e então a conciliadora; "sim, Dra., mas, mãe é mãe...",

e eu; "sim, Dra., e pai é pai, uma figura não exclui a outra, ambos são necessários na criação da criança...".

A conciliadora; "sim, Dra., mas a mãe tem preferência...",

e eu; "tem? A senhora se baseia onde para afirmar isso?",

a conciliadora; "ah, Dra., é a prática isso...",

eu; "Dra., eu me respaldo na lei para defender meu cliente e para tanto temos na nossa lei maior, a Constituição Federal, igualdade de direitos e deveres entre os pais (art. 226, § 5º), na sequência, a mesma igualdade pormenorizada pelo Código Civil (art. 1.566, 1.583 e 1.584), se a senhora ignora essas previsões legais ou a desrespeita, da parte de meu cliente essa audiência pode ser encerrada, e ainda que não houvessem essas previsões legais de igualdade de direitos e deveres entre pai e mãe, por ser algo tão natural da vida, se a senhora entende que há preferência entre uma das figuras, pai ou mãe, também por este motivo, da parte de meu cliente, essa audiência pode ser encerrada, porque não compactuamos com esse entendimento."

A audiência foi encerrada sem acordo e o processo prossegue no forum. Triste não é ver o conflito, que faz parte da vida e se o tratamos com vontade de resolvê-lo, ele sempre acaba nos lapidando. Triste e deprimente é ver como pessoas que têm o dever de intervir no conflito para dissolvê-lo, acabam o alimentando. Triste é ver como nossas vidas em sociedade podem ser tão prejudicadas por aqueles que têm o dever de beneficiá-las, e como esses prejuízos podem traçar destinos tão diferentes e tão maléficos nas pessoas.


Raquel Montero

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