Raquel Montero

Raquel Montero

sexta-feira, 26 de junho de 2020

CORONAVÍRUS E FAVELAS; O QUE SE QUIS IGNORAR VIROU SOMBRA NO DESTINO

Foto: Reprodução



O crescimento desigual do Brasil vem, desde a abolição da escravatura, perpetuando hierarquias sociais. No cenário de hierarquias temos, em outro extremo da balança, as favelas brasileiras, onde moram pessoas privadas da presença do Estado e dos serviços públicos, onde a violação do direito à cidade é constante. E agora, nessas mesmas favelas, o contágio pelo Coronavírus é constante. Dados de 21 de Maio de 2.020 apontavam que só as mortes contabilizadas nas favelas do Rio de Janeiro já somavam óbitos superiores ao de 15 estados brasileiros.
 
Favelas são o habitat de milhões de brasileiras e brasileiros sem opção para morar de outra forma (ou alguém escolhe viver em favela?). Favelas existem em decorrência de um processo de urbanização desigual e demais desigualdades sociais. É o reflexo contundente e categórico do conjunto dessas desigualdades. É também o reflexo e o resultado de governos incompetentes.
 
Na tentativa de não vê-las ou escondê-las, bem como, de esconder o resultado de governos incompetentes, é comum que elas existam nas periferias das cidades, locais afastados de tudo e de todas as pessoas. Se pudessem, a maioria dos governos não a permitiriam nem nas periferias, mas como eles não têm como esconder essas pessoas em outro lugar, e em algum lugar essas pessoas têm que morar, deixam que elas "existam", ou, "sobrevivam", nas periferias. Essa foi a saída encontrada para esconder essas pessoas e ao mesmo tempo esconder as mazelas que evidenciam uma urbanização desigual e uma má gestão governamental.
 
Todavia, as farsas não permanecem por muito tempo. Como já registrado na História, "se pode enganar todas as pessoas por um tempo, se pode enganar algumas pessoas o tempo todo, mas, não se pode enganar todas as pessoas o tempo todo".
 
Como continuar ignorando as favelas agora, que elas são um espaço de contágio rápido e crescente pelo Coronavírus? Como continuar ignorando que pessoas que vivem nas favelas são também as mesmas pessoas que fazem parte da classe trabalhadora que movimenta as engrenagens da economia do País? São pessoas que vivem nas favelas as mesmas que limpam as casas e cuidam das crianças das famílias da zona sul, outro extremo da cidade.
 
Foi ignorado até agora, mas, em tempo de mais de 50 mil mortes no Brasil ocasionadas pelo Coronavírus, como continuar ignorando que apenas 39% das moradias brasileiras têm acesso a tratamento de esgoto, segundo dados de 2.013 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)? Como continuar ignorando que nas favelas nem esgoto encanado tem, o que dirá tratado?
 
Como ignorar agora que a principal medida, a mais eficaz, segundo as autoridades médicas e sanitárias, para combater o contágio pelo Coronavírus, é o isolamento, e como falar de isolamento nas favelas, com famílias de cinco pessoas que dividem um mesmo cômodo?
 
Como uma crônica ou ironia, como profetizado pelo renomado psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung, "o que se quis ignorar virou sombra no destino". Poderosas e poderosos governantes, com o poder nas mãos para governar, há tempos vêm ignorando a existência dessas pessoas e relegando-as às periferias das cidades, onde elas ficam desprovidas da presença do Estado e do acesso a direitos fundamentais para uma existência digna, até que foram vencidas/vencidos, olha só, por um ser microscópico, que não só escancarou incompetentes governantes como igualou todas as pessoas, ricos e pobres, no mesmo risco de contágio. Na ausência de governos democráticos, tivemos um vírus democrático.
 
      Raquel Montero 

terça-feira, 9 de junho de 2020

TEM VÁRIAS FORMAS DE SE PROSTITUIR, A PELO SEXO É SÓ UMA DELAS


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 10.06.2020. No Tribuna o artigo também pode ser acessado pela internet através do link:



Imagem: Reprodução



No ano passado foi arquivado o Projeto de Lei n° 4211 de 2.012, de autoria do ex-Deputado Federal Jean Wyllys, que tramitava na Câmara Federal. Citado projeto de lei trata da regulamentação da atividade das/dos profissionais do sexo, batizado de "Lei Gabriela Leite", em homenagem à escritora, presidente da organização não governamental Davida, e ex-aluna de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), que se tornou profissional do sexo aos 22 anos. Gabriela foi muito ativa na luta pelos direitos das/dos profissionais do sexo e morreu em 2.013.

O projeto de lei foi arquivado por ter se encerrado a legislatura sob a qual o projeto estava tramitando e ele não ter sido votado no plenário da Câmara Federal durante a legislatura que findou.

Durante sua tramitação houve muitos debates e polêmicas entre opositores e defensores da regulamentação da atividade. Os debates são os canais por onde circula a energia que cria luz sobre as discussões. E esse aspecto faz dos projetos de lei bons instrumentos para semear e fomentar reflexões na sociedade e abrir caminhos para a sua evolução.

A atividade das/dos profissionais do sexo existe. Seu reconhecimento fez com que em 2.002 o Código Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho incluísse as/os profissionais do sexo no seu rol de profissões. Ela existe, portanto, e a parte da sociedade que quer ignorá-la, estigmatizá-la e marginalizá-la é a mesma sociedade que recorre a ela. Sua existência nunca deixou de ser fomentada e alimentada pela própria sociedade que a condena. Na narrativa mais antiga produzida pela humanidade, a Bíblia, a atividade já é citada, o que faz com que ela seja falada como a profissão mais antiga do mundo.

Assim sendo, seria positivo tal projeto retornar ao cenário dos debates e verificarmos qual a melhor maneira de tratar essa situação. Um debate honesto, sem fundamentalismo, sem moralismo, sem hipocrisia, sem demagogia, mas, sim, objetivando o melhor para essa situação, resguardando direitos, protegendo a dignidade da pessoa e condições de progresso social.

Um debate honesto pode proporcionar, de fato, reflexões na sociedade, e são as reflexões que dilatam nossas percepções nos permitindo enxergar além do que já sabemos ou do que sabemos com deturpações. Reflexões sobre este assunto, podem, ainda, fazer a sociedade se confrontar com suas contradições e hipocrisias, levando-a a choques salutares, senão vejamos na sequência.

A atividade das/dos profissionais do sexo é mais chamada de prostituição. Ao buscarmos pelo significado da palavra "prostituir" temos: "1.Entregar-se a ou manter relações sexuais em troca de dinheiro; 2.Rebaixar(-se) moralmente; degradar(-se), corromper(-se) (Mini Dicionário Houaiss, Rio de Janeiro, 2.012, 4º edição). Prostituir-se, então, se dá tanto em uma relação sexual praticada mediante pagamento, quanto em atos de rebaixamento moral, de degradação, de corrupção.

Então, nos demais sentidos de "prostituir" podemos citar como exemplos um advogado que defende um caso que sabe ser errado, vendendo seu intelecto em troca de dinheiro, as pessoas que comercializam os cigarros de nicotina que causam mal à saúde, as pessoas que vendem refrigerante que causam mal à saúde, as pessoas que se casam sem amor, as pessoas que aceitam fazer propaganda para vender produtos que causam mal às crianças, as pessoas que trabalham em um serviço público sem vocação ou sem gostarem do que faz, apenas pelo dinheiro e prestando mal o serviço, as pessoas que em uma eleição trocam votos por vantagens ou dinheiro, assim como um deputado que vota um projeto de lei em troca de dinheiro, uma médica que aceita agrados da indústria farmacêutica, a mesma indústria que produz as drogas que são vendidas às pessoas após serem receitadas pela classe médica. Todos estes comportamentos seriam atos de corrupção, imorais, degradantes, e as pessoas que se comportam assim estariam se corrompendo por dinheiro, ou, se prostituindo.

Se há tantas formas de prostituição existentes na sociedade por que só uma causa polêmica e incomoda essa mesma sociedade? Não será o casamento sem amor uma das formas mais tristes de corrupção e que pode levar a tantas outras mazelas ainda piores,  já que do casamento vem a família e a família é a base da sociedade?

Um debate honesto levará a sociedade a reflexões, e, também, às suas contradições e hipocrisias. Mais uma chance para a evolução.

Raquel Montero

segunda-feira, 1 de junho de 2020

FEMINISMO É UMA JORNADA DE AMOR E IGUALDADE


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 03.06.2020. No Tribuna o artigo também pode ser acessado pela internet através do link:
 



Imagem: Reprodução



O feminismo em nada se refere ao que algumas pessoas propagam sobre ele, ou seja, "feminismo é ser contra homem, é odiar homem". Nada disso. Feminismo é a busca pela igualdade entre homens e mulheres, é a ideia amorosa de que é possível que mulheres e homens sejam pessoas tratadas com igualdade e igualmente respeitadas. Igualdade de oportunidades, igualdades sociais, políticas e econômicas.

E essa luta é necessária porque ainda não temos na sociedade essa igualdade e respeito, ao contrário. Temos uma cultura que responsabiliza a mulher pela jornada dupla de trabalho, que responsabiliza apenas a mulher pela higiene da casa e cuidados com os filhos e filhas, e não cobra o mesmo dos homens, como se eles fossem imunes a isso ou incapazes disso. Uma cultura que cobra da mulher acerca de seus próprios corpos, padronizando como eles devem ser; o tamanho do peito e da bunda, induzindo mulheres a colocar silicones se estes não se encaixarem no padrão cobrado; corpo magro;  cintura fina; cabelo comprido e liso, e por ai vai. E cobra o comportamento também: não pode rir muito alto, não pode dançar com muita sensualidade, no estilo do slogan "bela, recatada e do lar". E os comportamentos impostos, quando não cumpridos pelas mulheres, podem ser utilizados contra elas para justificar assédios, abusos, violências e estupros cometidos pelos homens.

 Por outro lado, vejamos os homens, não demonstram preocupação com seus corpos e comportamentos, demonstrando estarem convictos de que merecem ser amados como são. E por que essa cobrança das mulheres, então? Há uma hierarquia entre homens e mulheres que faz com que homens possam cobrar mais beleza e perfeição das mulheres?

A mesma cultura responsabiliza a mulher pelo estupro que sofreu; "foi porque a saia era muito curta". Responsabiliza a mulher pela violência que sofreu do companheiro; "ele pode não saber porque bateu, mas ela sabe porque apanhou". Responsabiliza a mulher pelo assédio que sofre do chefe: "foi assediada porque namorou um colega de trabalho, então, deu margem a isso."

Nessa mesma sociedade a mulher adoece porque foi assediada e perseguida pelo chefe, a mulher é assediada no transporte coletivo, onde entra no ônibus e pode sair com a roupa manchada pelo sêmen de um homem que nunca viu. E a cobrança sobre a sexualidade da mulher, como se fosse algo público que qualquer pessoa pudesse dar opinião. Por que homens são criados para "pegar todas" e mulheres são criadas para serem puras e castas?

O relatório da Oxfam Brasil, baseado em dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio Contínua (PNAD) de 2.016 e 2.017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as mulheres, desempenhando o mesmo trabalho que os homens, ganham, em média, 72% do que ganham os homens no Brasil. As mulheres negras, desempenhando o mesmo trabalho que mulheres brancas, ganham ainda 30% a menos do que ganham as mulheres brancas.

O PNAD mostra, ainda, que mais de 40% das famílias brasileiras são chefiadas por mulher, destes lares 26,8% são compostos por mães que criam sozinhas filhos e filhas. 6 milhões de crianças sequer têm o registro do pai na certidão de nascimento. E com relação à esses homens a sociedade cobra tão pouco, quando pagam pensão alimentícia já são considerados heróis. Já se é a mãe que tem o mesmo comportamento, é crucifixada.  

Isso tudo é certo? É justo? O feminismo entende que não e por isso defende a mudança dessa realidade. Essa é a luta do feminismo, ninguém acima de ninguém, apenas iguais em oportunidades e respeito.

       Raquel Montero 

terça-feira, 26 de maio de 2020

BRINQUEDO DE MENINA E BRINQUEDO DE MENINO. AINDA EXISTE ESSA BOBAGEM?


Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 27.05.2020. No Tribuna o artigo também pode ser acessado pela internet através do link:




Foto: Reprodução



Determinadas construções são feitas social e culturalmente. Maternar, faxinar, cozinhar, são atividades humanas e podem ser feitas por meninos e meninas desde a primeira infância. Mas não é isso que a sociedade prega e propaga. Lembrando que a sociedade somos nós, cada pessoa que a compõe.

Por que bonecas são dadas apenas para meninas para elas brincarem de ser "mãe" se tanto mulher quanto homem podem ter filhos? Por que só a menina pode brincar de ser "mãe" e menino não pode brincar de ser "pai"? Por que o carro de bombeiros é dado só para meninos se tanto homem quanto mulher podem ter essa profissão? Por que a cozinha, a panela, a vassoura, é um brinquedo que só é presenteado a meninas? Meninos não comem e não limpam a casa?

Drauzio Varella, escrevendo sobre o comportamento humano em seu livro Borboletas da Alma - Escritos sobre Ciência e Saúde (2.006, pag. 88), explicou que as informações científicas acumuladas nos últimos trinta anos permitem afirmar que o comportamento humano é resultado de interações sutis entre genes, fatores ambientais e experiências vividas. Explicou, também, que a característica mais importante do sistema nervoso é sua plasticidade, isto é, a capacidade que os neurônios têm de estabelecer conexões moldadas pela experiência.

Portanto, fatores ambientais e experiências vividas formam o comportamento humano, e os estímulos e aprendizados recebidos numa fase em que o cérebro está sendo esculpido pela experiência induzem uma cascata de eventos, de informações captadas, de cultura, de aprendizado. Olha a importância e influência das experiências, dos fatores ambientais e dos estímulos na formação do comportamento humano.


Para o assunto que estamos tratando qual o impacto desses estímulos ocorridos nas brincadeiras das crianças na formação dessas mesmas crianças? Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mesmo em países desenvolvidos as mulheres gastam quase o dobro do tempo que os homens em serviços domésticos e trabalho não remunerado (faxinar e cuidar de filhos seriam dois desses trabalhos sem remuneração que as mulheres fazem a mais que os homens). E as mulheres fazem isso mesmo tendo uma jornada de trabalho remunerada similar à dos homens: homens trabalham oito horas em média e mulheres sete horas e 45 minutos. A diferença é que desse conjunto de horas os homens trabalham 02 horas e 21 minutos sem remuneração e as mulheres 04 horas e 30 minutos.

No Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) essa diferença é ainda maior; as mulheres brasileiras gastam em média 26,6 horas semanais com trabalho doméstico enquanto os homens dedicam apenas 10,5 horas.

Enquanto meninas ganham só bonecas e meninos ganham laboratórios de química para brincar, o Censo Escolar de 2.001 mostra que 60% das pessoas graduadas são mulheres, sendo que na Ciência apenas 43% das pessoas tituladas na área são mulheres, e a titulação feminina vem caindo, sendo 39% em 2.004 e 37% em 2.008. Em cursos como Física, na maioria dos países, a participação das mulheres é de cerca de 10% a 12%.

A infância e a adolescência são fases que estão sob a responsabilidade de pais e ou mães para insculpi-las no sentido de proporcionar seu correto desenvolvimento para que, após essas fases, essas pessoas, meninos e meninas, que se tornarão pessoas adultas, tenham escolha e possam escolher bem o que querem ser e os sonhos que querem realizar. É nessa fase que se pode e deve dar os estímulos e proporcionar boas experiências, e ensinar dois valores que tanto admiramos:  igualdade e liberdade. Igualdade no tratamento, na criação, nos estímulos. Liberdade para deixar a pessoa ser quem ela quiser e sonhar. Sonhar alto!

Para essa igualdade e essa liberdade é urgente que reinventemos o brincar. Não existe brinquedo só de menino e brinquedo só de menina. Existe o "brincar".

       Raquel Montero 

sexta-feira, 15 de maio de 2020

METE A COLHER, SIM!

  Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 20 de Maio de 2.020. No jornal o artigo também pode ser acessado pelo site no link;




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O Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para uma mulher se envolver emocionalmente com um homem, é o país em que ainda se diz que "em briga de marido e mulher, não se mete a colher, porque o homem pode não saber porque está batendo, mas a mulher sabe porque está apanhando".

Em primeiro lugar quando é que violência é boa ou recomendável? Que tipo de conflito é recomendável que se use a violência para resolvê-lo? Em nenhum caso a violência é recomendável para se resolver conflitos. A violência é um mal, e com um mal não se resolve nada, ao contrário. Sendo assim, como aceitá-la ou defendê-la numa briga de casal, em que um homem passe a bater, violentar ou abusar de uma mulher?

Se não se deve bater nas pessoas, como defender ou aceitar que em briga de marido e mulher, ou, em violência de marido e mulher, não se mete a colher, e deixe que a violência "corra solta"?
Se mete a colher, sim! É um direito e um dever de toda a pessoa que tenha conhecimento dessa violência. E é um direito e um dever não só porque a omissão de socorro constitui crime previsto no Código Penal (artigo 135), mas, principalmente. e antes de tudo, porque se trata de solidariedade, e de empatia!

É comum pensar que aquela mulher, vítima de violência, só está apanhando "porque é mulher de malandro", e se não fosse sairia dessa situação a qualquer momento. Mentira!

Na prática a teoria é outra e a realidade não é tão simples assim. É possível elencar vários motivos do porque essa mulher continua na situação e apanhando, e aqui vai alguns: não ter para onde ir com suas crianças porque o imóvel que o casal mora é o único; não tem família para ampará-la, porque, por religião, ignorância e conservadorismo, muitas mães e muitos pais dizerem "ruim com ele, pior divorciada"; os municípios, na quase totalidade deles, não proporcionam as medidas protetivas previstas na lei, tais como casa abrigo; a Polícia, em muitos municípios, não tem estrutura necessária para atender com a urgência e a rapidez necessárias toda a demanda existente e com isso pode demorar para dar resposta à denúncia e essa demora pode ser fatal após a denúncia feita pela vítima, que ficará mais ainda a mercê do agressor.

Poderíamos continuar a elencar motivos aqui, mas uma pergunta resume todos eles: Qual a pessoa, mulher ou homem, que gosta de ser violentada, estuprada, abusada, agredida, ofendida e fica nessa situação por prazer?

Se colocar no lugar da outra pessoa é o exercício da empatia, que nos permite sair do lugar de "julgamento" e passar para o lugar de "sentimento", de buscar sentir o que a outra pessoa sentiu na situação que ela vivenciou. E esse exercício nos permite ser mais útil do que se estivéssemos no lugar de simples julgamento, onde, amiúde, somos inúteis.

O julgamento não ajuda em nada, além de, na maioria das vezes, ser errado posto que é proveniente da falta de conhecimento de tudo que pode envolver uma dada situação. O que é necessário e útil é que prestemos solidariedade e ajuda às vítimas, que falemos da violência doméstica, que conscientizemos sobre o seu mal, que busquemos e lutemos por espaços adequados para acolher as vítimas com sua crianças, que lutemos por estrutura nos órgãos e entidades públicas para a aplicação das medidas protetivas.

A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio existem, mas ainda não existe em todos os municípios do Brasil toda a estrutura necessária prevista na lei para que as vítimas de violência denunciem seus agresssores e com isso estejam seguras, e não mais ameaçadas, e tenham para onde ir e receber medidas protetivas. Eis o problema.

      Raquel Montero 

terça-feira, 5 de maio de 2020

ENTREVISTA À REVIDE SOBRE A PANDEMIA PELO CORONAVÍRUS E COVID-19, QUARENTENA E ISOLAMENTO

Nesse dia 1º de Maio de 2.020 em que comemoramos o dia da Trabalhadora e do Trabalhador e que tantas reflexões devemos fazer também na oportunidade desta data, a revista Revide em sua edição atual divulgada na data de hoje, fez matéria sobre o impacto da pandemia para a classe trabalhadora. Na mesma edição da revista há matéria muito pertinente sobre as diferentes leis aplicáveis na situação de pandemia e como ficam os direitos e deveres das pessoas diante dessas leis. E sobre essa matéria, como advogada, fui entrevistada para esclarecer o assunto.
 A revista, na íntegra, pode ser acessada no link https://www.revide.com.br/edicoes/impressa/1011/





quarta-feira, 22 de abril de 2020

VIZINHA, VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna na sua edição do dia 05 de Maio de 2.020. No jornal o
artigo também pode ser acessado pelo site no link;
 




Imagem: Reprodução




Quando falamos de violência contra a mulher é comum ouvirmos na sequência que a violência acontece para todas as pessoas, homens e mulheres. É verdade, vivemos num país que tem uma grave e antiga crise de segurança pública. No ano de 2.019 a edição do Atlas da Violência no Brasil, documento elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados relativos ao ano de 2.017, demonstrou que em 2.017, com base nos dados oficiais do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, ocorreram 65.602 homicídios no país, maior nível histórico de violência letal já registrado
Diante da realidade e do que ela nos ensina não há dúvida de que uma nova política nacional de álcool e outras drogas e mais investimentos em políticas públicas nas áreas sociais, notadamente a da Educação, geração de emprego e renda e Cultura, são necessárias para que acabemos com essa guerra que só mata e encarcera. Embora a existência da legislação penal, a reincidência existe, a violência persiste e a população carcerária aumenta, ao invés de diminuir. Já são mais de 700 mil pessoas presas no Brasil segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN). Ou seja, a reincidência e o aumento da população carcerária provam que prender não resolveu o problema da criminalidade.
Porém, embora homens e mulheres sejam vítimas de violência quando analisamos os dados relativos a tais violências verificamos que o Brasil é muito violento, sim, mas não é violento da mesma maneira com suas mulheres.
Na edição de 2.019 do Atlas da Violência também foi registrado que houve crescimento dos homicídios femininos no Brasil em 2.017, com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2.007. Verificou-se um crescimento de 30,7% no número de homicídios de mulheres no Brasil na década que vai de 2.007 à 2.017. O estudo feito revela que, enquanto a taxa geral de homicídios no país aumentou 4,2% na comparação 2.017 à 2.016, a taxa que conta apenas as mortes de mulheres cresceu 5,4%. Em 2.017, por exemplo, foram 164 estupros por dia, e como esses dados são subnotificados, estima-se que podem passar de 500 mil por ano. E quando falamos de estupro, só a mulher é estuprada, o homem, não. O Ministério da Saúde registra que no Brasil a cada 5 minutos uma mulher é vítima de violência no Brasil, a cada hora 22 mulheres acionam a Lei Maria da Penha.
E durante a quarentena em razão da pandemia pelo Coronavírus aumentou o número da violência contra a mulher. A ONU Mulheres emitiu nota oficial sobre a necessidade de os governos adotarem campanhas emergenciais para combater o incremento da violência doméstica nessa fase de confinamento.
Disque 180, central de atendimento do Governo federal para casos de violência doméstica, registrou aumento de quase 10% no número de ligações e de 18% nas denúncias de violência nas duas primeiras semanas do confinamento. No entanto, em muitas cidades, houve justamente o oposto: uma redução no número de denúncias.
Juízas e juízes de atuação na área de violência doméstica contra a mulher dizem que essa queda pode ter dois motivos: a redução da violência, seja pela diminuição na drogadicção e no consumo de álcool, seja por maior harmonia familiar, ou, por outro lado, a quarentena estaria dificultando o acesso da mulher à Justiça e às medidas protetivas impostas pelo Poder Judiciário nos casos de violência contra a mulher.
É mais provável que a dificuldade de denunciar seja a principal causa da redução dos registros. Essas mulheres não estão conseguindo pedir medidas protetivas porque não estão conseguindo denunciar, e não estão conseguindo denunciar por não estarem saindo de casa ou por seus companheiros/maridos/namorados não estarem saindo de casa em razão da quarentena, e assim, estão sendo mais vigiadas, mais paralisadas. As vítimas estão 24 horas com os agressores e não estão sendo ouvidas em seus trabalhos, não estão encontrando os parentes em quem podiam confiar para desabafar. Se já estava difícil, agora, mais ainda. É necessário e urgente, portanto, nossa ação e atitude em defesa dessas mulheres. Mais ainda agora é necessário que se meta a colher, sim! É necessário que a vizinha saiba que ela não está sozinha!
Os casos de violência devem ser comunicados pelo telefone 190 a qualquer hora, e qualquer pessoa pode fazer a denúncia: a própria mulher, vizinhos, parentes ou quem estiver presenciando, ouvindo ou que tenha conhecimento do fato. Para os casos não emergenciais o Disque 180 ou o Disque 100 também recebem denúncias e oferecem orientações.
A violência de uma pessoa contra a outra, é violência e deve ser combatida sempre, o que dirá quando se trata de um homem contra uma mulher. Em briga de marido e mulher se mete a colher, sim, e a omissão de socorro é crime previsto no artigo 135 do Código Penal Brasileiro (Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.).
Raquel Montero