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Diante de uma sentença
improcedente, sempre há a insatisfação e com ela a vontade de recorrer? E essa
pergunta é feita com relação à várias situações da vida, não só com relação à
uma sentença proveniente do Judiciário.
É comum responder
"sim" à essa pergunta, mas o caso que vou relatar é uma prova de que
nem sempre isso pode ocorrer, notadamente quando a sentença é, de fato,
fundamentada, e bem fundamentada, e esse texto é feito para falar disso.
Como advogada fui procurada por
um homem, em torno de 40 anos, pai de um menino, na época, 2.015, com 8 anos,
para pleitear a guarda de seu filho, que até então estava sob a guarda de sua
mãe.
Para o pai havia vários motivos
que faziam com que ele entendesse que, na época, era melhor o filho ficar com
ele, sob sua guarda, e não mais sob a guarda da mãe. Um dos motivos fortes para
o pai seria que a mãe estaria maltratando o filho através de brigas constantes
com ele e falta de atenção e presença, o que teria levado, inclusive, o filho a
repetir o ano na escola, além de o filho presenciar brigas constantes,
inclusive com agressões físicas, da mãe com seu companheiro.
O pai e a mãe não estavam
juntos, nunca se casaram, tiveram um namoro rápido do qual nasceu o filho.
Diante dos motivos do pai fizemos
a ação judicial de guarda, para o pai pleitear a guarda do filho. Desde o
princípio ficou claro para mim que a intenção do pai não era tirar a guarda da
mãe, mas, sim, defender os direitos do filho, utilizando-se da ação para que as
responsabilidades de pai e mãe fossem cumpridas e o filho ficasse protegido. E
utilizou-se da ação porque em seu entendimento ele já havia esgotado as
possibilidades do diálogo com a mãe.
No andamento do processo essa
intenção do pai foi sendo reafirmada para mim com os comportamentos do pai. E a
estratégia do pai deu certo. Esses motivos foram percebidos pelo juiz na
demonstração que fiz deles na defesa do pai, conforme se pode verificar nessa
manifestação do juiz na sentença;
Entende-se a postura do autor, em ter postulado a guarda do filho para
si, pois, quando assim decidiu fazer, ajuizando a presente ação, o menino
estava com mau desempenho como estudante, como foi comprovado com documentos
anexados à inicial, inclusive tendo tido retenção no ano letivo, ainda quando
estava em escola pública (fls. 29/42).Além disso, confirmou-se neste processo o
que disse o autor, sobre o próprio filho ter postulado para vir morar com ele.
Nesse sentido, constou do estudo psicológico que o próprio menino, hoje
adolescente, dois anos antes daquele estudo, teria pedido para morar com o
genitor, por estar com saudades dele (fls. 161).
A intenção foi tão confirmada
para mim e a estratégia deu tão certo que diante de mudanças na situação dos
envolvidos - mãe e filho - o pai foi se distanciando cada vez mais da pretensão
de ter a guarda, deixando até mesmo de praticar atos no processo na medida em
que ele ia percebendo e sentindo que a situação da mãe e do filho ia
melhorando. Assim também entendeu o juiz da causa, que sobre isso escreveu na
sentença;
Feito esse parêntese, cumpre considerar que a situação teria mudado, no
curso do processo. Se a ré e seu companheiro se desentendiam, se chegavam a
haver agressões físicas, isso, porém, teria cessado, ao que tudo indica, ainda
que como algum efeito positivo desta ação, preocupando-se a ré e seu
companheiro em terem conduta diversa.Tanto assim seria que o próprio
adolescente, confirmando a fala da mãe para a psicóloga forense, deu
referências positivas de seu "padrasto";relatou ele que teria
momentos positivos com a família, "sinalizando ter bom relacionamento com
a mãe, o padrasto e a irmã; e que mãe e padrasto vivem bem e não se desentendem
(fls. 160). Também foi do próprio autor alguma percepção de que, com o
ajuizamento desta ação, de alguma forma, seja por medo de perder a guarda do
filho ou por outra razão, a genitora teria melhorado nos seus cuidados a ele
dispensados. É o que se extrai da seguinte consideração que a psicóloga forense
fez, com base em relato do genitor:"Depois de ter ajuizado esta ação,
percebeu que o filho parou de queixar-se da mãe e associou este fato às
mudanças de atitudes da mãe para como filho" (fls. 162)
No processo utilizamos ao máximo
o contraditório e a ampla defesa para defender os direitos do filho e desmentir
várias alegações que a mãe foi fazendo no processo contra o pai. Essas
alegações consistiram em ofensas à honra do pai e fatos negativos atribuídos à
paternidade do pai com relação ao filho. Sobre essas alegações se manifestou o
juiz;
Com reservas, pois, que haveria de ser vista a contestação da ré, já
que se confirmou fato importante que o autor narrava, como constitutivo de seu
direito. Ademais, se a ré não litigou de má-fé, pode ter se aproximado disto,
ao ter atribuído ao autor condutas de uso de entorpecente e de direção sob
influência de álcool acompanhado do filho, quando, além de não ter feito prova
alguma dessas duas alegações, não haveria sequer o menor indício da existência
delas. Nem mesmo para a assistente social e para a psicóloga forense, nas vezes
em que entrevistada, a ré fez alusão a esses fatos, o que causa, pois,
estranheza,no mínimo, que os tenha deduzido na contestação, pois se tivessem
ocorrido seria natural que tivesse ao menos se preocupado em mencioná-los para
as auxiliares do Juízo, sem prejuízo da prova que,necessariamente, teria de
produzir.
Os laudos da assistente social e
da psicóloga que atuaram no caso também foram pormenorizadamente e amplamente
analisado e questionado pela nossa defesa. Um dos pontos que questionamos e
contestamos foi uma manifestação da psicóloga que teria dado margem ao
entendimento de que a mãe tinha preferência na guarda simplesmente por ser mãe,
e um dos pontos que questionamos no laudo da assistente social foi uma
manifestação dúbia dela sobre alienação parental praticada por alguns dos
genitores, sem dizer ao certo por parte de quem, pai ou mãe. Ora, essa é uma
alegação grave, não pode ser dita de maneira vaga, imprecisa.
As contestações e os
questionamentos que fiz foram acatados pelo juiz que determinou que a
assistente social e a psicóloga se manifestassem novamente, e a novas
manifestações foram, nas palavras do juiz, "efetivamente importantes para o
deslinde da causa". Nesse sentido, escreveu o juiz na sentença;
De toda maneira, essa impressão inicial, de
existência de alienação parental, não se confirmou, depois que a psicóloga
forense pode melhor explicitar sua convicção, após críticas que o autor fez, fundamentadamente,
ao trabalho inicial dela. Isso desencadeou a determinação para que a psicóloga prestasse
esclarecimentos suplementares, que foram efetivamente importantes para o
deslinde desta causa.
E foram as contestações e
questionamentos feitos que fizeram com que mentiras fossem desmascaradas e
ambiguidades esclarecidas, nesse sentido escreveu o juiz na sentença;
Há alguns outros pontos que
chamaram a atenção deste julgador, que constam do relatório psicológico. O
principal deles está na conduta inadequada da genitora, em ter dito para o
filho sobre a rejeição paterna enquanto ele ainda era gerado (fls. 160).
(...)
Tornando ao estudo
psicológico, nos outros pontos que chamaram a atenção deste julgador, refiro-me
ao fato da ré também ter, desnecessariamente, introjetado no filho conflitos
dela e do réu, ao lhe reportar (ou dizer na frente dele) situações que ela via,
na sua versão,como negativas em relação ao autor.
(...)
Além disso, verifica-se nesse
relatório técnico falas do menor que seriam, nitidamente, reprodução das
maternas, quando comentou que "é fácil ter o filho depois de grande porque
já está criado".
Num processo bem aproveitado em
todas as suas fases, com otimização da ampla defesa e do contraditório,
produção de provas com real importância e manifestações respeitosas e
pertinentes, e não simplesmente protelatórias, o juiz do caso, de uma das varas
da família e das sucessões da comarca de Ribeirão Preto/SP, que não vou dizer
quem é para não criar qualquer preferência, só dizendo que não é o juiz da 1º
Vara da Família, Ricardo Braga Monte Serrat, o juiz do caso proferiu uma
sentença com 20 (vinte) laudas. Da primeira à última lauda, a sentença é
estimulante.
Em cada lauda se tem a certeza
de que o juiz, realmente, leu o processo, com atenção, concentração e com vontade
de chegar à justiça do caso. Os trechos da sentença aqui transcritos são
exemplos dessa concepção que tive. De minha parte, na defesa do pai, também
buscamos esse objetivo, e por isso, inclusive, nos atentamos a cada
manifestação da assistente social e da psicóloga nos laudos que ambas emitiram,
eis que essas profissionais trazem conhecimentos de outras áreas que podem
contribuir de maneira determinante para a justiça do caso concreto.
O pai, meu cliente, por sua vez,
contribuiu com o outro ingrediente essencial para o sucesso da receita de
justiça em um processo. Ele não quis que sua pretensão prevalecesse, mas, sim,
que prevalecesse o que fosse melhor. Ele utilizou do processo com esse
objetivo, de que com os instrumentos de ampla defesa, contraditório, serviço psicossocial e uma
terceira pessoa imparcial às partes, se chegasse ao que fosse melhor para a
situação.
Meu cliente ganhou a ação? Ele
ganhou mais do que isso, conforme expressou a mim. O processo foi julgado
improcedente, e a guarda não foi concedida ao meu cliente, mas como já foi
escrito acima, ele já não via mais sentido nisso, uma vez que após o
ajuizamento da ação a situação entre mãe, filho e pai, mudou para melhor, e os
motivos que ensejaram a ação já não existiam mais.
Ele ganhou no sentimento de que
seu caso foi de fato recebido com respeito pelo Judiciário, tendo sido lido com
atenção pelo julgador, e julgado com a seriedade advinda da preocupação de
fazer justiça.
Com uma sentença assim, todas as
pessoas ganham, e ganham pelos mesmos motivos que fizeram com que meu cliente
também tenha se sentido um ganhador. A sentença, no entanto, é o último ato do
processo, o que faz com que para que ela seja positiva e construtiva em sua
plenitude, todos os demais trabalhos anteriores, das advogadas, dos advogados e
das partes, também tenham que ter o mesmo comprometimento. Assim também tentei
agir como advogada do pai, e acredito que consegui cumprir meu dever ao ler
este outro trecho da sentença; "Também cabe destacar que, apesar
de todos os esforços da combativa advogada do autor...".
A ação de meu cliente foi
julgada improcedente. Nenhuma das partes quis recorrer da sentença, embora
pudessem. O caso foi concluído em primeira instância e o processo foi
arquivado. Aqui omite nomes das partes porque o processo é sigiloso, e também
porque não era necessário.
Raquel Montero