Foto: Reprodução
A vanguarda é humanizar.
Humanizar cada vez mais. No entanto, muitos daqueles que deveriam ser os
precursores da humanização, ainda incidem em velhos ranços, e, lastimavelmente, estão estes a criarem e
modificarem leis que regem nossas vidas
na sociedade.
Por que as cenas recentes de uma
deputada amamentando seu filho causou polêmica no Congresso espanhol e na
Assembléia Legislativa de Porto Alegre? Onde está a polêmica?
A deputada do Congresso
espanhol, Carolina Bescansa, ouviu de parte dos
políticos espanhóis que o gesto foi uma “lamentável instrumentalização de
crianças com fins políticos” e um “mau exemplo, desnecessário”, já que na Casa
há uma creche.
No caso da deputada estadual gaúcha Manuela
D´Ávila, a amamentação de sua filha registrada em uma foto publicada em um blog
do jornal Folha de S. Paulo, provou, por mais esta via, quanto desrespeito e
discriminação contra a mulher ainda há. Uma das
críticas que ela recebeu dizia que a imagem era uma “exposição desnecessária da
mama de uma deputada” e ressaltava que ela deveria “apenas falar o que faz sem
mostrar”. “Depois reclamam de assedio e [de] falta de respeito”, arrematou o
comentarista. Indignada, a deputada respondeu: “Esse peito não é de deputada, é
da mãe da Laura”. Ao EL PAÍS, ela explicou: “É sempre assim, se eu não
amamentasse eles iriam cobrar o direito da bebê. Se amamento, estou expondo. Na
verdade, eles não se conformam com mulheres ocupando espaços de poder”.
Várias mulheres relatam terem sido reprimidas ao amamentarem
em público, há os que querem que elas cubram os seios com uma toalha para amamentar seu filho, e os casos foram tantos, e tão polêmicos, que São Paulo,
capital, aprovou no ano passado lei municipal que pune quem proíbe a mulher de
amamentar em público. O Rio Grande do Sul fez o mesmo em seguida.
Esses mesmos homens, todavia, não se indignam com a globeleza, as mulheres das propagandas de cerveja. E por que não?
Por que a diferença de tratamento?
Por que a ternura imbutida no
ato de amamentar é deturpada e sexualizada? Se quem a sexualiza é o homem, por que a mulher é que tem ser culpada e ser
inibida no ato de amamentar?
Mais uma vez é a tentativa de
sanar a culpa do agressor, transformando a vítima em culpada. A mesma história
da roupa usada pela mulher e que estimulou ou incitou o agressor para que a
estuprasse.
Nossos peitos não podem existir
para amamentar nossos filhos porque alguns homens ainda acreditam que têm o
direito de sexualizar aquilo que bem entenderem, e a mulher é que tem que tomar
cuidado acaso ela não queira que isso aconteça. Isso é opressão doentia!
Ao contrário do que disse o
crítico de Manuela, desnecessária é tudo o que a foto da deputada amamentando
não é. Ela representa a indignação e a reação de tantas outras mães que são
constrangidas e oprimidas pelo bel prazer de homens que se acham no direito de
definir padrões de comportamento e julgar condutas das mulheres, valorando-as
conforme melhor lhe agradam. É nesse sentido que substituem os papéis do homem
agressor com a mulher agredida, fazendo do algoz a vítima e da vítima a
culpada. Não é isso que fazem com mulheres que são estupradas, dizendo que sua
roupa ou comportamento criaram a agressão? Não é isso que dizem da mulher
espancada pelo companheiro, "que ele pode não saber porque bateu, mas ela
sabe porque apanhou".
O peito é da mulher, ela o
mostra ou utiliza como quiser, e a amamentação é um direito da criança,
assegurado por lei. Já a valoração que se dá à esses atos é de responsabilidade
de cada um. E sim, digo responsabilidade e não direito de cada um, porque
responsabilidade atribui deveres à pessoa, de inclusive responder pelas suas
atitudes prejudiciais. E é muito prejudicial a discriminação e o preconceito,
cria consequências maléficas na sociedade, nas gerações. E quem pratica más
condutas tem que ser responsabilizado sim. Chega de tolerância com a
intolerância. Chega de impunidade para o preconceito. Nossas mulheres não
aguentam mais isso. Nossas gerações não têm que conviver com os erros da
ignorância e do preconceito.
Outro dia ouvi o seguinte
diálogo; "Esse teu papo politicamente correto é um saco." Dai a outra
pessoa respondeu; "Um saco é o teu preconceito." E é isso mesmo!
As deputadas mencionadas não
usaram da popularidade para levantar bandeiras e se aproveitar. Estavam, além
de serem deputadas, sendo mães e atendendo a um direito de seus bebês. E,
paralelamente, usar a própria popularidade para levantar uma bandeira tão
importante e, infelizmente, tão contemporânea, é, no mínimo, muito necessário,
como são necessárias as nossas marchas, os nossos textos. E continuarão sendo
necessárias enquanto houver homens que acreditam que o corpo da mulher lhes diz
respeito e é terreno seu, podendo construir nele as barbáries que lhe aprouver.
Que continuemos a ver bebês
sendo amamentados nas casas de leis, e não só nelas, mas em todos os espaços
que a mulher quiser, em todos os espaços de poder, de direção. Isso não só
demonstrará que a maternidade está sendo respeitada, mas, também, que as
mulheres estão ocupando cada vez mais espaços. E se a reação à essas ocupações
vier na forma de crítica, que continuem vindo, porque se reagindo estão os
machistas e preconceituosos é porque as mulheres estarão combatendo cada vez
mais. Avante na luta!
Raquel Montero
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