Fotos: Arquivo pessoal/registros de 2.017
Em junho de 2.017,
em palestra que fui convidada a dar sobre o tema "Atividade Delegada"
na reunião ordinária do Conselho Municipal de Segurança Pública de Ribeirão
Preto, eu já havia sustentado que a "Atividade Delegada" é inconstitucional,
desumana, insalubre e injusta. O programa denominado "Atividade
Delegada", em resumo, autoriza o chamado "bico oficial" de
policiais militares, que assim passam a poder trabalhar fardados, armados e com
viaturas da Polícia Militar nos seus horários de folga.
Minha opinião não
mudou, e um pouco mais de um ano depois desse fato, em janeiro de 2.019, a prática
demonstrou que a tal "Atividade Delegada" não está funcionando em
Ribeirão Preto, após ser implantada em novembro de 2.018, ou seja, com menos de
dois meses de funcionamento.
O problema já
começou no fato do Município de Ribeirão Preto não ter pago os doze policiais
militares que participam da atividade na cidade. O programa teve início em 19
de novembro de 2.018, e até janeiro de 2.019 os policiais participantes não
tinham recebido a respectiva remuneração dos dias trabalhados.
Cada policial
militar recebe uma Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP) por hora
trabalhada. Em 2.018 cada UFESP valia R$ 25,70, e neste ano, 2.019, será de R$
26,53 para oficiais, aspirantes, subtenentes e sargentos, e de 90% de uma
UFESP (R$ 23,13) para cabos e soldados.
A "Atividade
Delegada" foi criada em 2.009 pelo Governo do Estado de São Paulo e
aplicada, originariamente, tão somente na capital do Estado de São Paulo. Após,
foi aplicada em mais dois municípios do Estado de São Paulo, passando a ser
reproduzida em vários outros municípios com o passar do tempo.
Em Ribeirão Preto a
Prefeita Dárcy Vera assinou o projeto de lei para sua criação no ano de 2.012,
sendo criada a lei, então, em 2.013, após aprovação da Câmara de Vereadores de
Ribeirão Preto.
O programa
"Atividade Delegada" se trata de um convênio entre o governo estadual
e o município, com o objetivo de permitir a utilização de policiais militares,
em dias de folga destes, no policiamento ostensivo e preventivo a ser realizado
no município que aderir ao programa, no apoio às prefeituras nas atividades de
fiscalização que são de responsabilidade do município.
A idéia que o
programa quer passar para a população é que, através do programa se estaria
otimizando os policiais militares que já estão em atividade, e, com isso,
evitando-se mais gastos de recursos públicos para contratação de mais policiais
militares para prestarem mais segurança pública à população, uma vez que os
policiais militares que já estão em atividade podem ser aproveitados também em
seus momentos de folga, recebendo um adicional por isso.
No entanto, na
verdade, o programa quer resolver com paliativos problemas que para serem
resolvidos têm de ser atacados na origem. E a origem do problema não é atacada
por esse programa, ao contrário, o problema continua existindo, sendo protelada
sua solução.
A lei que trata
desse programa é inconstitucional e insalubre. É inconstitucional e insalubre porque
a função constitucional da Polícia Militar é prestar segurança pública para a
população através de policiamento ostensivo e preventivo, visando prevenir o
crime, a infração penal, preservando, assim, a ordem pública, a incolumidade
das pessoas e a proteção do patrimônio.
Esse programa, por
sua vez, visa aproveitar de policiais militares para cumprir com funções que
são de responsabilidade do município, como por exemplo, para fiscalizar o
comércio ambulante, carros abandonados, alvarás de estabelecimento, entre
outras atividades de competência do município.
O policial militar,
então, assessoraria os servidores municipais nas atividades de fiscalização de
competência do município. Ora, mais a função fiscalizadora do município deve
ser cumprida através dos servidores municipais que trabalhem no setor de
fiscalização do município, em suas diferentes vertentes. E as atividades de
fiscalização do município não presumem que o que vai ser fiscalizado se trata
de crime, mas sim, de atividades a serem fiscalizadas, e se acaso nessa
fiscalização se constate infrações administrativas as mesmas se resolvem com
sanções administrativas.
Não se tratam,
portanto, de crimes ou infrações penais a serem tratadas como casos de polícia.
Então, em regra,
seria desnecessário ter o acompanhamento de policiais militares em atividades
de fiscalização do município, uma vez que tais atividades devem ser tratadas
como atividades de fiscalização administrativa e não de prevenção a crimes.
E as atividades de
fiscalização do município podem contar ainda com o trabalho também dos guardas
municipais do município, além dos servidores públicos municipais do setor de
fiscalização do município.
A guarda municipal
tem o dever constitucional de exercer a proteção dos bens, serviços e
instalações do município. Os guardas municipais então estariam exercendo sua
função constitucional nessa situação. Já os policiais militares estariam sendo
aproveitados com desvio de função em atividades que não lhes compete, e que
deve ser prestada pela guarda municipal, só se utilizando da Policia Militar
acaso a situação extrapole da esfera da fiscalização para esfera criminal.
Se a intenção do
programa fosse mesmo o de contribuir para a segurança pública da sociedade, não
se estaria resolvendo o problema de déficit de guardas municipais e policiais
militares, bem como de precariedade nos vencimentos dos policiais militares,
com mero "complemento de renda" para o policiais militares que
aceitarem participar da atividade delegada, trabalhando em suas horas de folga
para receber um adicional de salário por essas horas trabalhadas.
Se a real intenção
do programa fosse mesmo o de contribuir para a segurança pública não se estaria
fazendo mera complementação de renda nos salários dos policiais militares e nem
atribuindo aos policiais militares funções que não são deles, e que deviam ser
resolvidas pela guarda municipal, se estaria, sim, melhorando as condições de
trabalho dos policiais militares, aumentando seus salários, contratando mais
policiais, mais guardas municipais e melhorando as condições de trabalho e de
salário dos guardas municipais.
O Estado de São
Paulo é o estado mais rico da federação, tem a maior receita dentre todos os
estados da federação, tem o maior orçamento de segurança pública dentre todos
os estados da federação, no entanto, paga o 3º pior salário para seus policiais
militares. Ou seja, estados com menos orçamento para segurança pública, estados
menos ricos que o Estado de São Paulo, pagam mais para seus policiais militares
do que o estado mais rico da federação.
O que explica essa
contradição?
Se a real intenção
do programa, do município e do governo estadual fosse contribuir com a
segurança pública e melhorar as condições de trabalho do policial militar, não
se estaria propondo que para melhorar a condição de trabalho do policial
militar esse tem que trabalhar em seu dia de folga, nem se estaria propondo
contribuir para a segurança pública se utilizando para isso de um policial que
trabalha em momento de folga, sendo que sua folga deveria ser utilizada, de
fato, como folga, para que este policial volte para a sociedade, depois de sua
folga, revigorado física, intelectual, emocional e psicologicamente.
O Governador e o
Prefeito acham mesmo que o policial militar que trabalha em seu dia de folga
vai exercer com a mesma qualidade seu trabalho do que aquele policial que pôde
respeitar o descanso que sua mente, corpo, intelecto e emocional exigem e
necessitam?
O Governador e o
Prefeito acham mesmo que condições dignas de trabalho e remuneração se resolvem
com mero "complemento de renda"?
Atividade delegada é
inconstitucional, desumana e injusta. E Segurança Pública se trata com
políticas públicas que tragam investimento nas áreas sociais e no trabalho dos
servidores públicos.
Raquel Montero